Um dos melhores indicadores dos avanços de igualdade de gênero em uma sociedade é a incorporação à língua de termos
femininos para designar posições de prestígio – uma necessidade ligada ao preenchimento gradual por mulheres do espaço de
profissões tradicionalmente exercidas por homens. “Quando há a incorporação de equivalente feminino para determinadas profissões,
temos indícios de que mudanças quanto aos papéis de gênero estão tendo lugar”, diz Elisa Battisti, professora da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), que estuda a variação linguística como prática social. A Babbel, empresa alemã de educação que criou
um aplicativo de idiomas, elaborou uma análise sobre as nomenclaturas alusivas às posições ocupadas por mulheres no mercado de
trabalho em oito línguas. A análise serve para avaliar quais são as línguas (e as sociedades) que mais evoluíram na incorporação de
vocábulos que mostram a ocupação do mercado de trabalho por mulheres.
Entre as línguas mais conservadoras estão o italiano e o francês. O italiano é pouco flexível. Muitos títulos que designam profissões
ainda apresentam apenas a forma masculina e poucas declinações femininas foram estabelecidas na terminologia oficial, como
“ministro”, “architetto” (arquiteto) e “avvocato” (advogado). “Sindaco” (prefeito) é uma das poucas palavras que mereceram atualização
de gênero pela Accademia della Crusca, órgão oficial da língua italiana – no caso, “sindaca” (prefeita).
O francês demonstra igualmente muita resistência à incorporação de novos vocábulos para designar profissões exercidas por
mulheres. A concordância de gênero não é sequer incentivada pela Academia Francesa em títulos de prestígio, com a justificativa de
que é preciso preservar a língua. “Le ministre” (o ministro) é a chancela oficial para homens e mulheres. No Québec, no Canadá, desde
1979, o termo “madame le ministre” foi cunhado por lei para se referir às mulheres que ocupam cargos de ministro. “A nomenclatura
com predominância de termos masculinos indica a posição inferior que as mulheres ocupam em certas instâncias de participação social”,
afirma Elisa Battisti.
A necessidade de adotar designações próprias para posições ocupadas por mulheres no idioma pode, em alguns casos, ser
interpretada de maneira pejorativa. No polonês, as profissões femininas são designadas pela terminação “ka”, mas o mesmo terminativo
é usado para diminutivos. O termo “nauczycielka” é usado para a profissão de maestrina, assim como o diminutivo da palavra café
(kawa) é “kawka”, cafezinho. Por essa associação do terminativo “ka” com diminutivos, a ex-ministra do Esporte e Turismo polonês,
Joanna Mucha, decidiu usar a versão latina “ministra” e se recusou a ser chamada de “ministerka”, pois poderia ser pejorativamente
confundida como “ministrinha”.
Entre os países analisados, o Brasil (e a língua portuguesa) não está entre os países mais conservadores. Desde 2012, palavras
como “bacharela” e “mestra” se tornaram obrigatórias em diplomas. A obrigatoriedade foi determinada pela Lei 12.605, na qual o Artigo
1º especifica que “instituições de ensino públicas e privadas expedirão diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente
ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido”.
Muitos termos de profissões podem ser aplicados aos dois gêneros, como as palavras terminadas com o sufixo “ente”, “ante”, “inte”
e “ista” (como, por exemplo, “pianista”). Para se referir à ex-presidente Dilma Rousseff, tanto “presidente” como “presidenta” são termos
corretos – a escolha linguística de Dilma por “presidenta” era uma opção política para reforçar o gênero feminino, uma decisão elogiada
pela professora Elisa Battisti, da UFRGS. “A imposição do emprego do termo ‘presidenta’, mesmo enfrentando resistências, lança luz
sobre a questão da inferiorização da atuação das mulheres no espaço social, o que a médio e longo prazo contribui para se repensar e
rever as relações sociais”, diz.
(Fonte: Revista Época. Disponível em:http://epoca.globo.com/educacao/noticia/2017/03/. Acesso em 09/03/2017.)