‘Super Size Me’ mudou a fast food para menos pior
Marcos Nogueira
Em nenhum momento, nos últimos 20 anos, ocorreu-me o seguinte pensamento: “Por onde andará aquele fulano que passou
um mês comendo McDonald’s para fazer um filme?”. Quanto à vida e à obra de Morgan Spurlock, morto de câncer na sexta-feira
(24), meu conhecimento além de “Super Size Me – A Dieta do Palhaço” tendia a zero. Vi o documentário na época do lançamento e
nunca mais pensei no sujeito. Até o anúncio de sua morte, que me motivou a pesquisar um pouco sobre ele. Imagino que tenha sido
parecido para a maioria das pessoas que viram o filme em 2004. Porque de fato não há nada mais de muito relevante no currículo
de Spurlock. Ele foi aquilo que, no meio musical, chamam de “one hit wonder” – artista de um sucesso só.
Ocorre que o sucesso de “Super Size Me” transcendeu as métricas de público e arrecadação. Não é exagero dizer que o
filme – portanto, o cineasta também – ajudou a mudar a fast food para menos pior. Que artista, que profissional nunca sonhou em mudar
o mundo, mesmo que só um pouquinho e num pedacinho bem específico? Pois é, Morgan Spurlock mandou essa. Com um filme só.
Spurlock levou ao cúmulo a fusão de diretor e personagem. Passou 30 dias fazendo as três refeições diárias no McDonald’s.
Sempre acatou a sugestão do atendente para aumentar o tamanho da porção ou incluir mais itens no pedido. Engordou e adoeceu.
“Super Size Me” foi alvo de muitas críticas, que viraram munição da indústria da fast food. A mais contundente, claro, dizia
respeito ao fato de que nenhuma pessoa no mundo (vá lá, fora dos EUA) pratique essa dieta maluca. Além disso, Spurlock não
conseguiu (ou não quis) comprovar que seguiu à risca a premissa do filme. Algum tempo mais tarde, admitiu que bebidas alcoólicas
entravam na tal dieta, longe das câmeras.
Mesmo cheio de buracos, o discurso causou um rombo na reputação das lanchonetes. Pouco depois de “Super Size Me”, o
McDonald’s deixou de oferecer as porções gigantes de fritas. Desde então, todas as redes de fast food se esforçam para diminuir
a insalubridade de seus cardápios. Na percepção do público, pelo menos. Morgan Spurlock não foi um gênio nem um herói. Ele foi
um cara esperto que calhou de surfar com destreza a onda do zeitgeist. Isso não tira seu mérito. Antes dele, a fast food era puro
veneno. Depois dele, é veneno com saladinha verde e palitos de cenoura crua.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/cozinha-bruta/2024/05/super-size-me-mudou-a-fast-food-para-menos-pior.shtml. Adaptado.