Apólogo Brasileiro sem Véu de Alegoria
O trenzinho recebeu em Magoari o pessoal do
matadouro e tocou para Belém. Já era noite. Só se
sentia o cheiro doce do sangue. As manchas na roupa
dos passageiros ninguém via porque não havia luz. De
vez em quando passava uma fagulha que a chaminé
da locomotiva botava. E os vagões no escuro.
Trem misterioso. Noite fora, noite dentro. O chefe
vinha recolher os bilhetes de cigarro na boca.
Chegava a passagem bem perto da ponta acesa e dava
uma chupada para fazer mais luz. Via mal e mal a data
e ia guardando no bolso. Havia sempre uns que
gritavam:
— Vai pisar no inferno!
Ele pedia perdão (ou não pedia) e continuava seu
caminho.Os vagões sacolejando.
O trenzinho seguia danado para Belém porque o
maquinista não tinha jantado até aquela hora. Os que
não dormiam aproveitando a escuridão conversavam e
até gesticulavam por força do hábito brasileiro. Ou
então cantavam, assobiavam. Só as mulheres se
encolhiam com medo de algum desrespeito.
Noite sem lua nem nada. Os fósforos é que alumiavam
um instante as caras cansadas e a pretidão feia caía
de novo. Ninguém estranhava. Era assim mesmo
todos os dias. O pessoal do matadouro já estava
acostumado. Parecia trem de carga o trem de Magoari.
[...]
Antônio Castilho de Alcântara Machado de Oliveira
(1901-1935