Texto 1
SERVIDORA
Nive toma o ônibus das cinco para estar às sete no
trabalho. A casa é longe, mas é própria. Paga aos poucos,
construída aos poucos e terminada aos poucos. Beija os filhos e o
marido e sai no horário de sempre. É aquilo, né?, se você sai
quinze minutos depois, não chega mais na hora. Ela chega bem
antes das sete, na verdade. Faz seu trabalho corretamente. Paga
as contas corretamente. Ajuda às pessoas quando pode. Cuida
dos seus. Cuida de si. Cuida dos outros. Nive descobriu a pressão
alta no segundo mês sem salário. O salário do marido não segura
a casa toda. Além do mais, seu ramo não anda nada bem com a
crise e ele anda muito preocupado pois já não é jovem. Os filhos
são compreensivos e educados. Estão em escola pública, mas
sem perspectivas de aulas, porque sua escola foi esquecida
pel'Os que Mandam. Agora parece um cenário de filme de
suspense, com paredes descascadas, vazamentos, mato
crescendo até nas frestas dos muros, janelas que batem como
quem grita por atenção e o eco dos silêncios de crianças que
deveriam estar lá. Nive foi esquecida. Não, Nive está sendo
obliterada, pel'Os que Mandam. Nive serve ao povo, mas já não
sabe até quando vai servir para alguma coisa.
FONTE: VIEIRA, Fernanda. Crônicas ordinárias. Rio de Janeiro: Macabéa
Edições, 2017, p.50.