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LIVROS
Li certa vez que a escritora Alma Mahler guardava, na sala de sua casa, o berço em que dormira na
primeira infância. Era um berço antigo de madeira, tosco, desses com um dispositivo que os faz balançar
docemente ao menor toque. Ali, no bojo vazio daquela que um dia fora sua própria cama, Alma guardava
seus livros favoritos.
Arrumava-os, empilhados, em várias camadas, enchendo todo o espaço onde um dia houvera um
colchão, lençóis, brinquedos e uma criança – ela própria. Certamente, quando remexia nos livros, buscando
algo em especial, um livro para enternecer-se, para recordar ou esquecer – que é pra isso que serve reler
livros prediletos – , certamente, então, seu braço, esbarrando na lateral gradeada, fazia o berço balançar. E
ela os ninava, talvez sem perceber.
Essa imagem de livros queridos sendo acalentados encheu-me de ternura. Assim como um dia me
comoveu ler o depoimento de outra escritora, Isak Dinesen, falando sobre a ansiedade que sentia, em sua
fazenda na África, enquanto aguardava a chegada dos livros encomendados da Inglaterra. E de como, ao
recebê-los, tocava cada volume com a ponta dos dedos, como se retirasse da caixa copos de finíssimo cristal.
Sabia, ao tocá-los, que aqueles seriam seus únicos exemplares durante meses, até que chegasse nova
remessa. Era um tesouro insubstituível.
[...]
Esse amor pelos livros me comove, um amor que venho aprendendo a desenvolver nos últimos anos.
[...] Estou mudando. Hoje presto atenção nas pessoas que sabem cuidar bem de suas bibliotecas e observo a
maneira como decidem a posição de cada volume nas estantes, o carinho com que tiram os mais antigos das
prateleiras para tentar restaurar as lombadas, alisando-as cuidadosamente com goma e pincel. São gestos de
uma delicadeza comovente, cuja observação me faz refletir. E cada vez mais, tenho diante dos livros uma
atitude de reverência. Olho-os e vejo como eles são puros, íntegros – como as crianças e os cristais.
(SEIXAS, H. O amigo do vento. São Paulo: Moderna, 2015.)