A saúde mental dos jovens brasileiros: Como prevenir?
A ocorrência de vários suicídios de adolescentes em curto espaço de tempo não é um fenômeno restrito
à atualidade. No século 18, um famoso livro, Os Sofrimentos do Jovem Werther, tornou-se um marco do
Romantismo e uma febre entre os jovens. Nele conta-se a história de um adolescente que vive uma paixão
impossível por uma mulher na casa dos trinta anos.
A estratégia adotada pelo autor do livro, Johann Wolfgang von Goethe – ele deixou para o exame do
leitor as cartas trocadas pelo casal de amantes –, fez a narrativa parecer muito crível. Adolescentes passaram
a se matar vestidos como nas ilustrações do livro, tendo-o em mãos e usando o mesmo método letal – um tiro
de pistola. Ensinado nos cursos de Jornalismo, o Efeito Werther acabou por reforçar o tabu social de evitar o
assunto, e nada se publicava sobre suicídio.
Os tempos mudaram. Nos dias atuais, a internet tornou-se a nova ameaça a angariar jovens para a
morte. O suicídio é assunto nas redes sociais virtuais e seriados, caso do 13 ReasonsWhy, que gira em torno
do suicídio de uma adolescente. Mas, com certeza, a natureza do suicídio juvenil da atualidade muito se
distancia dos suicídios românticos [no quesito literatura] de três séculos atrás. O que estaria acontecendo?
Como compreender melhor esse fenômeno? Como evitar que jovens vulneráveis o cometam?
Precisamos conversar sobre isso, pois a mortalidade por suicídio vem crescendo no Brasil.
Diariamente, 32 pessoas tiram a própria vida, segundo estatísticas do Ministério da Saúde. De 2005 a 2016,
de acordo com os últimos dados oficiais disponíveis, o suicídio de adolescentes entre 10 e 14 anos aumentou
31%; e entre aqueles que estão na faixa dos 15 aos 19 anos o aumento é de 26%. Na população indígena, há
uma tragédia silenciosa: metade do elevado número de suicídios é cometido por adolescentes.
No espectro do comportamento autoagressivo, o suicídio é a ponta de um iceberg. Estima-se que o
número de tentativas de suicídio supere o de suicídios em pelo menos dez vezes. O grau variável da intenção
letal é apenas um dos componentes da tentativa de tirar a própria vida. O ato também representa uma
comunicação, que pode funcionar como denúncia, grito de socorro, vingança ou a fantasia de renascimento.
Por isso, ideias, ameaças e tentativas – mesmo aquelas que parecem calculadas para não resultarem em morte
– devem ser encaradas com seriedade, como um sinal de alerta a indicar sofrimento e atuação de fenômenos
psíquicos e sociais complexos. Não devemos banalizá-las.
O mundo psíquico de um adolescente está em ebulição, ainda não atingiu a maturidade emocional. Há
maior dificuldade para lidar com conflitos interpessoais, término de relacionamentos, vergonha ou humilhação
e rejeição pelo grupo social. A tendência ao imediatismo e à impulsividade implica maior dificuldade para
lidar com a frustração e digerir a raiva. Perfeccionismo e autocrítica exacerbada, problemas na identidade
sexual, bem como bullying, são outros fatores que se combinam para aumentar o risco.
Um adolescente pode ter centenas de likes na rede social virtual, mas pouquíssimos, ou nenhum, seres
humanos reais com quem compartilhar angústias. O mundo adulto, como um ideal cultural alcançável por
pequena parcela de vencedores, fragiliza a autoestima e a autoconfiança de quem precisa encontrar o seu lugar
em uma sociedade marcada pelo individualismo, pelo exibicionismo estético, pela satisfação imediata e pela
fragilidade dos vínculos afetivos.
Quando dominados por sentimentos de frustração e desamparo, alguns adolescentes veem na
autoagressão um recurso para interromper a dor que o psiquismo não consegue processar. Quando o pensar
não dá conta de ordenar o mundo interno, o vazio e a falta de sentido fomentam ainda mais o sofrimento,
fechando-se assim um círculo vicioso que pode conduzir à morte. Nos suicídios impulsivos, a ação letal se dá
antes de haver ideias mais elaboradas capazes de dar outro caminho para a dor psíquica. O ato suicida ocorre
no escuro representacional, como um curto-circuito, um ato-dor.
Há, também, os suicídios que se vinculam a transtornos mentais que incidem na adolescência, como a
depressão, o transtorno afetivo bipolar e o abuso de drogas. Diagnóstico tardio, carência de serviços de atenção
à saúde mental e inadequação do tratamento agravam a evolução da doença e, em consequência, o risco de
suicídio.
Pensamentos suicidas são frequentes na adolescência, principalmente em épocas de dificuldades diante
de um estressor importante. Na maioria das vezes, são passageiros; por si só não indicam psicopatologia ou
necessidade de intervenção. No entanto, quando os pensamentos suicidas são intensos e prolongados, o risco
de levar a um comportamento suicida aumenta.
Prevenção do suicídio entre os adolescentes não quer dizer evitar todos os suicídios, e sim uma só
morte que possa ser evitada, a do adolescente que está ao seu lado. O que fazer? De modo simplificado,
sugerimos três passos. Memorize o acrônimo ROC: Reparar no Risco, Ouvir com atenção, Conduzir para um
atendimento.
A prevenção do suicídio, ainda que não seja tarefa fácil, é possível. Não podemos silenciar sobre a
magnitude e o impacto do suicídio de adolescentes em nossa sociedade. Não todas, mas considerável porção
de mortes pode ser evitada.
(BOTEGA, Neury José. A saúde mental dos jovens brasileiros: Como prevenir? - Adaptado. Disponível
em https://www.sescsp.org.br/online/artigo/12517_A+SAUDE+MENTAL+DOS+JOVENS+BRASILEIROS
. Acessado em 03/01/2019)