Brasil ainda gasta pouco com saúde, afirmam especialistas
"Diferentemente dos países europeus, que tiveram mais tempo para se adequar, estamos assistindo a um
envelhecimento muito rápido da população.” A transição demográfica, afirmou nesta segunda (31) o diretor-presidente
da Anvisa, Jarbas Barbosa, determina a necessidade da adaptação do sistema de saúde brasileiro, para
prevenir e tratar doenças ligadas ao envelhecimento.
Barbosa participou da primeira mesa do Fórum Tecnologia e Acesso à Saúde, ao lado de José Gomes
Temporão, ex-ministro da Saúde e diretor-executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde/Isag, e de
Marcos Boscolo, sócio da KPMG e Líder Healthcare, sobre as dificuldades do acesso à saúde e como soluções
tecnológicas podem ajudar a superá-las. O debate foi mediado por Cláudia Colucci, repórter especial da Folha.
Para o diretor da Anvisa, há uma impressão falsa no país de que se gasta o suficiente em saúde. No
entanto, disse ele, dos 9,7% dos gastos em saúde em relação ao PIB, apenas 4,7% corresponde ao gasto público.
“Nenhum país que tenha um sistema universal de saúde tem um percentual igualmente baixo”. Os países
europeus têm um gasto aproximadamente 7, 8 vezes maior por habitante que o Brasil.
José Gomes Temporão cita como preocupante para todo o funcionamento do sistema de saúde o estudo
divulgado pelo IBGE em 21 de agosto, segundo o qual 60% da população brasileira está acima do peso. “Estamos
nos aproximando velozmente do padrão americano e isso aumenta consideravelmente os custos do sistema”. Para o
ex-ministro, falta legislação que ajude a intimidar o consumo de itens que contribuem para esse quadro. “[O
Congresso] É incapaz de regular a propaganda obscena de cerveja e alimentos infantis.”
Temporão afirma haver confusão entre tecnologias de última geração e assistência médica. O acesso a
direitos estaria subordinado a desejos da “indústria da saúde”.
Para o ex-ministro, os avanços tecnológicos geralmente beneficiam “apenas umas casta de cidadãos”. Segundo ele, o Brasil seria uma rara exceção em que a ampliação da tecnologia se deu de forma mais igualitária,
graças ao SUS.
“Deveríamos estimular o reconhecimento do sistema público de saúde como um patrimônio fundamental
para a justiça social e a democracia brasileira, como parte do processo civilizatório e que deve ser fortalecido”.
SMARTPHONES
Último a falar, Marcos Boscolo sugeriu que o acesso à tecnologia deve partir do “empoderamento das
pessoas na gestão da saúde”. Isso seria, por exemplo, permitir às pessoas monitorar sua saúde a partir de
smartphones e indicadores objetivos. Esses indicadores viriam dos hospitais, que deveriam contar com bancos de
dados para mapear o perfil da população e gerir o sistema.
Boscolo em seguida apontou a desigualdade regional brasileira como um problema grave para o sistema
de saúde. Enquanto 44% da população paulista tem um plano de saúde privado, o percentual em alguns estados do
Norte e do Nordeste é de 7%. Além do mais, os profissionais da saúde deixam essas regiões para se estabelecer nos
grandes centros, criando um problema de falta de mão-de-obra qualificada.
Para Temporão, “é inviável um sistema em que as pessoas buscam um especialista sem passar por um
generalista”, como ocorre na Inglaterra e no Canadá, países que inspiraram o modelo do SUS.
“Ainda não utilizamos adequadamente tecnologias disponíveis há algumas décadas”, disse Barbosa, da
Anvisa. Melhorar a formação do profissional de saúde, integrar os serviços e rever parte da regulação do sistema
seriam os passos para superar o problema, segundo ele.
(Philippe Scerb - colaboração para a Folha de São Paulo, visualizado em 31 de agosto de 2015.)