Nunca se sabe direito a razão de um amor. Contudo, a mais frequente é a beleza. Quero dizer, o costume
é os feios amarem os belos e os belos se deixarem amar. Mas acontece que às vezes o bonito ama o bonito
e o feio o feio, e tudo parece estar certo e segundo a vontade de Deus, mas é um engano. Pois o que se faz
num caso é apurar a feiura e no outro apurar a boniteza, o que não está certo, porque Deus Nosso Senhor
não gosta de exageros; se Ele fez tanta variedade de homens e mulheres neste mundo é justamente para
haver mistura e dosagem e não se abusar demais em sentido nenhum. Por isso também é pecado apurar
muito a raça, branco só querendo branco e gente de cor só querendo os da sua igualha — pois para que
Deus os teria feito tão diferentes, se não fora para possibilitar as infinitas variedades das suas combinações?
(QUEIROZ, Rachel de. Os dois bonitos e os dois feios. In: SANTOS, Joaquim Ferreira dos (org.). As cem
melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007).