Dizem que sou louco
Se não é possível controlar o tempo, o senhor da
razão, é preciso nos aliar a ele para garantir
momentos de felicidade e de saúde mental
Renata Giraldi | 27/02/2024
O auge da pandemia de covid-19 passou, mas a
doença deixou sequelas na saúde mental da
sociedade. Muitos dos que sobreviveram
carregam incômodos invisíveis, mas nem por isso
menos dolorosos, como depressão, ansiedade e
transtornos do humor. Um estudo, divulgado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), mostra que
as queixas se estendem para insônia e, em casos
mais graves, demência, principalmente para quem
tem mais de 65 anos.
Incerteza, medo e solidão, um misto de
sentimentos e de situações que, quando se unem,
alteram a vida e geram doenças. A saída para
muitos é medicamentosa, mas especialistas
alertam que o ideal é associar tratamentos —
remédios e terapias — e modo de vida. Quantas
vezes a gente para e faz o que gosta? Coisas
simples, como olhar uma paisagem, conversar
com uma pessoa querida, tomar um café com
calma, filosofar com o cachorro ou com o gato, ler
aquele livro que está adormecendo na mesa de
cabeceira? O tempo... Que contraria o ponto de
vista dos homens e do relógio e tem seu próprio
modo de enxergar o mundo, quem o controla?
Se não é possível controlar o tempo, o senhor
da razão, é preciso nos aliar a ele para garantir
momentos de felicidade e de saúde mental. Um
cineminha no dia de folga, uma conversa
desinteressada, mas nem por isso desinteressante
em qualquer momento. A saúde mental também
é cultivada por momentos de placidez e de
contemplação.
Considerando que a expectativa de vida do
brasileiro é ultrapassar 75 anos, há um longo
caminho pela frente, que exige sobretudo saúde.
A mente em ordem e equilíbrio conduz a máquina.
A felicidade e a alegria são elementos fundamentais para isso. Cultivar a saúde mental
faz parte das atitudes mais simples e cotidianas.
Os abusos pelos "pecados da carne" devem ser
questionados. Será que vale tomar uns goles a
mais? Por que será que as substâncias são ilícitas
e não lícitas? Talvez a resposta esteja justamente
na impossibilidade de autocontrole sobre tudo
aquilo que extrapola.
A nós, da imprensa, cabe a discussão em torno
do combate ao estigma das doenças mentais e dos
estereótipos em torno do tema. Nosso esforço é
lutar contra o senso comum e as avaliações de
profissionais não habilitados, pois, para tratar de
transtorno mental, apenas aqueles que lidam
diretamente com o assunto. Um psiquiatra, por
vezes, leva meses para fechar o diagnóstico de um
paciente, portanto revelar de forma pública —
seja em TV, rádio, jornais ou noticiário on-line —
que um determinado sujeito é esquizofrênico ou
bipolar viola os princípios da apuração e da
checagem bem realizados.
A arte e a comunicação são instrumentos
essenciais na construção do bem comum e da
qualidade de vida para todos, mesmo para aqueles
que vivem o incômodo de um mundo repleto de
alucinações e de delírios. Cabe a todos nós o
questionamento: o que é ser louco? Por que o
estigma, o estereótipo e o rótulo prevalecem?
Singelamente, ousa-se responder: pela escassez,
pelos equívocos e pelos descasos na mídia que,
lamentavelmente, por vezes esquece seu papel
social.
GIRALDI, Renata. Dizem que sou louco.
Correio Braziliense, 27 de fevereiro de 2024. Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2024/02/6809113-
dizem-que-sou-louco.html. Acesso em: 28 fev. 2024.