Txt: o futuro do app?
Luli Radfahrer
O futuro é mesmo imprevisível. Enquanto muita gente sonha com carros voadores e realidades aumentadas, as
mensagens de texto persistem, telegráficas. O protocolo de troca de mensagens curtas (Short Message Service, ou SMS
em inglês), criado em 1992 e a princípio usado apenas por adolescentes para se exprimir por meio de siglas – LOL,
VDD, CTZ, OMG, AMG, FTW, SDDS, FLW, BJS, CMG, BFF etc. – cresceu. Serviço indispensável nos dispositivos
móveis, a troca de bilhetes digitais é considerada por muitos mais importante do que a própria chamada de voz.
Ao misturar conveniência, simplicidade e disponibilidade, o texto se tornou sinônimo de comunicação em tempo
real. Sua popularidade é tamanha que, em 2010, o serviço era o que mais transferia dados pela rede, usado por cerca de
80% dos usuários de telefones móveis. Daí surgiu o smartphone. E, com ele, muitos se apressaram a decretar a morte de
um serviço tão primário. No entanto, apesar do crescimento de outros canais de comunicação por voz e vídeo, o envio
de mensagens de texto, seja por SMS ou por aplicativos baseados na internet, como WhatsApp, Facebook Messenger,
Apple iMessage e Skype (que tenta recuperar o sucesso que um dia teve o MSN Messenger) ainda é muito popular.
Por mais que a tecnologia pareça antiquada em tempos de conexão 4G e streaming de vídeo, a troca de
bilhetinhos se tornou parte essencial da vida contemporânea. A interação é intuitiva, rápida, divertida, íntima, descritiva
e consistente, de forma que a voz e outras interfaces dificilmente conseguem ser. Ela funciona bem tanto em
comunicações individuais quanto para enviar mensagens para grupos, mandar alertas ou compartilhar links. Conteúdos
escritos por esse meio podem ser facilmente classificados, organizados, traduzidos, copiados, pesquisados, citados e
consumidos em velocidades diferentes. Em um mundo hiperconectado, o texto é, quem diria, o sinônimo de
comunicação assíncrona.
A natureza das mensagens de texto é diferente da conversa por telefone: seu formato, velocidade e discrição são
adequados para pequenas explosões de comunicação funcional, mais do que para conversas extensas. Ampliadas pelo
uso de emojis, elas permitem uma relação de natureza instintiva, quase telepática, que pode ocorrer simultaneamente
com outros tipos de comunicação, alguns até ao vivo. Ferramentas de conversação são tecnologias sociais, em que as
regras de etiqueta e os códigos do grupo costumam ser mais importantes do que os recursos tecnológicos. Um dos
motivos de seu enorme sucesso em um ambiente de assistentes virtuais como Siri e Google Now está no conteúdo de
mensagens que podem não ser adequadas ao vivo. O texto é rápido, privativo e poderoso, tanto que a melhor alternativa
para ele até hoje ainda tem sido outra forma de texto.
Aplicativos de troca de mensagens em vídeo, como Skype, Vine e SnapChat, buscam ser o próximo passo. Eles
tentam criar uma comunicação mais intensa, que valorize tons de voz, expressões faciais e linguagem corporal para
exprimir sutilezas em que o texto não é fluente. Apesar de seu sucesso em determinados grupos e faixas etárias, até hoje
não conseguiram atingir uma parcela da popularidade do singelo texto. O velho SMS, de tão seguro e confiável, se
transformou em uma ferramenta poderosa de autenticação, usado por vários serviços para garantir a identidade e a
segurança de seus usuários. Ele é usado até por tecnologias extremamente inovadoras como a comunicação máquina a
máquina (M2M), que usa o protocolo para envio de dados de telemetria para usuários e centros de controle a partir de
lugares em constante movimento ou cuja conexão de dados não seja confiável. Há até quem aposte no texto como
alternativa para um mundo pós-apps. Diferentemente de interfaces que criam regras de interação a cada serviço, website
ou aplicativo, conversas baseadas em texto são confortavelmente familiares. Na China, o popular WeChat incorpora
muita interação na interface do aplicativo. Pode-se falar com serviços públicos, empresas e marcas na mesma tela com
que se conversa com os amigos ou com o chefe.
Bancos, concessionárias de telefonia, jornais, hospitais, lojas e serviços públicos podem ser consultados dessa
forma, em busca de transações imediatas de forma bem prática. Seus usuários consultam saldos, pagam cartões, enviam
dinheiro, pedem táxis, reservam mesas em restaurantes e acompanham a entrega de pedidos comprados on-line em
simples conversas. Algumas vezes a interação é feita por um ser humano, outras por um robô, outras por um sistema de
menus. Tudo da forma mais natural e transparente possível. Pode soar estranho interagir com o banco por texto, mas a
realidade é que essa troca de mensagens é mais confortável, mesmo que às vezes seja inconveniente. E é certamente
mais fácil, segura e familiar do que os complicados aplicativos de hoje e suas camadas múltiplas de senhas e tokens.
Imagine a simplicidade de mandar mensagens como "pague o condomínio" ou "mande R$ 1500 para minha mãe"
comparado com a forma com que tais serviços são feitos hoje. De certa forma, essa é a maneira como os privilegiados
que têm assistentes pessoais interagem com eles no mundo real.
No rápido desenvolvimento tecnológico, logo se entrará no mundo pós-aplicativo. Enquanto muitos especulam a
respeito de máquinas vestíveis, óculos de realidade virtual e agentes por comando de voz, talvez a resposta esteja em
uma tecnologia com quase 25 anos de idade, para que poucos dão a devida atenção.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luliradfahrer/2015/10/1695904-txt-o-futuro-do-app.shtml Acesso em: 23
out. 2015. Adaptado.