(1) Podemos começar pensando na seguinte questão: O que caracteriza a cultura brasileira? Certamente, ela
possui suas particularidades quando comparada ao restante do mundo, principalmente quando nos debruçamos sobre
um passado marcado pela miscigenação racial entre índios, europeus e africanos.
(2) A cultura brasileira em sua essência seria composta por uma diversidade cultural, fruto dessa
aproximação que se desenvolveu desde os tempos de colonização, a qual, como sabemos, não foi, necessariamente,
um processo amistoso entre colonizadores e colonizados, entre brancos e índios, entre brancos e negros. Se é
verdade que portugueses, indígenas e africanos estiveram em permanente contato, também é fato que essa
aproximação foi marcada pela exploração e pela violência impostas a índios e negros pelos europeus colonizadores,
os quais, a seu modo, tentavam impor seus valores, sua religião e seus interesses.
(3) Ao retomarmos a ideia de cultura, podemos afirmar que, apesar desse contato hostil num primeiro
momento entre as etnias, o processo de mestiçagem contribuiu para a diversidade da cultura brasileira, no que diz
respeito aos costumes, práticas, valores, entre outros aspectos que poderiam compor o que alguns autores chamam
de ‘caráter nacional’.
(4) A culinária africana misturou-se à indígena e à europeia; os valores do catolicismo europeu fundiram-se
às religiões e aos símbolos africanos, configurando o chamado sincretismo religioso; as linguagens e vocabulários
afros e indígenas somaram-se ao idioma oficial da coroa portuguesa, ampliando as formas possíveis para
denominarmos as coisas do dia a dia; o gosto pela dança, assim como um forte erotismo e apelo sexual juntaram-se
ao pudor de um conservadorismo europeu. Assim, do vatapá ao chimarrão, do frevo à moda de viola caipira, da forte
religiosidade ao carnaval e ao samba, tudo isso, a seu modo, compõe aquilo que conhecemos como cultura
brasileira. Ela seria resultado de um Brasil-cadinho (aqui se fazendo referência àquele recipiente, geralmente de
porcelana, utilizado em laboratório para fundir substâncias), no qual as características das três “raças” teriam se
fundido e criado algo novo: o brasileiro. [...]
(5) Ainda hoje há quem acredite que nossa mistura étnica tenha promovido uma democracia racial ao longo
dos séculos, com maior liberdade, respeito e harmonia entre as pessoas de origens, etnias e cores diferentes.
Contudo, não são poucos os autores que já apontaram a questão da falsidade dessa democracia racial, defendendo a
existência de um racismo velado, implícito, muitas vezes, nas relações sociais. Dessa forma, o discurso da
diversidade, do convívio harmônico e da tolerância entre brancos e negros, pobres e ricos, acaba por encobrir ou
sufocar a realidade da desigualdade, tanto do ponto de vista racial como de classe social. Ainda hoje, mesmo com
leis claras contra atos racistas, é possível afirmarmos a existência do preconceito de raça na sociedade brasileira, no
transporte coletivo, na escola, até no ambiente de trabalho.
(6) Como sugere o antropólogo Darcy Ribeiro, mais do que preconceitos de raça ou de cor, têm os brasileiros
um forte preconceito de classe social. Dessa forma, o Brasil da diversidade é, ao mesmo tempo, o país da
desigualdade. Por isso tudo, é importante que, ao iniciarmos uma leitura sobre a cultura brasileira, possamos ter um
senso crítico mais aguçado, tentando compreender o processo histórico da formação social do Brasil e seus
desdobramentos no presente para além das versões oficiais da história.
Disponível em: http://www.clic101.com.br/ver/133/O-Brasil-da-diversidade-e-ao-mesmo-tempo-o-pais-da-desigualdade.
Acesso em: 29/10/18. Adaptado.