Ai, que preguiça!
O corpo humano é uma máquina desenhada para o movimento. É dotado de dobradiças, músculos que formam alavancas capazes de deslocar o esqueleto em qualquer direção, ossos resistentes, ligamentos elásticos que amortecem
choques, e sistemas de alta complexidade para mobilizar
energia, consumir oxigênio e manter a temperatura interna
constante.
Se o corpo humano fosse projetado para os usos de hoje,
para que pernas tão compridas e braços tão longos? Se é
só para ir de um assento a outro, elas poderiam ter metade
do comprimento. Se os braços servem apenas para alcançar
o teclado do computador, para que antebraços? Seríamos
anões de membros atrofiados, mas com um traseiro enorme,
acolchoado, para nos dar conforto nas cadeiras.
A possibilidade de ganharmos a vida sem andar é aquisição dos últimos cinquenta anos, com a disponibilidade de
alimentos de qualidade acessíveis a grandes massas populacionais, saneamento básico, antibióticos e tecnologia para
satisfazer as nossas necessidades.
No entanto, os efeitos adversos desse estilo de vida não
demoraram para surgir: sedentarismo, complicações cardiovasculares, degenerações neurológicas, etc. Se todos reconhecem que a atividade física faz bem para o organismo, por
que ninguém se exercita com regularidade?
Por uma razão simples: descontadas as brincadeiras da
infância, fase de aprendizado, nenhum animal desperdiça
energia. Só o faz atrás de alimento, sexo ou para escapar de
predadores. É tão difícil abandonar a vida sedentária, porque
malbaratar energia vai contra a natureza humana. Os planos
para andar, correr ou ir à academia naufragam, no dia seguinte, sob o peso dos seis milhões de anos de evolução que
desaba sobre nossos ombros.
Quando você ouvir alguém dizendo que pula da cama
louco de disposição para o exercício, pode ter certeza: é
mentira. Essa vontade pode nos visitar num sítio ou na praia
com os amigos, na rotina diária jamais. Digo por experiência
própria. Há 20 anos corro maratonas, que me obrigam a levantar às cinco e meia para treinar. Tenho tanta confiança na
integridade de meu caráter, que fiz um trato comigo mesmo:
ao acordar, só posso desistir de correr depois de vestir calção, camiseta e calçar o tênis.
Se me permitir tomar essa decisão deitado na cama,
cada manhã terei uma desculpa. Não há limite para as justificativas que a preguiça é capaz de inventar nessa hora. Por
isso, se você está à espera da chegada da disposição física
para sair da vagabundagem, tire o cavalo da chuva: ela não
virá. Praticar exercícios com regularidade exige disciplina militar, a mesma que você tem na hora de ir para o trabalho. Ai,
que preguiça!
(www.drauziovarela.com.br. Publicado em 13.01.2014. Adaptado)