A ilusão da felicidade
Do alto de seus mais de 80 anos e sempre com um sorriso calmo e uma dose de ironia, a tia de Leila, Dona Darcy,
costuma dizer aos que gostam de se queixar da vida: “Aqui
ainda não é o céu, não, gente. Aqui é a Terra. O céu vem
depois”.
Leila se lembra, às vezes, das palavras da tia quando vê
pessoas buscando uma felicidade ideal: elas também estão
procurando o céu na Terra. Achar que a vida pode ser um
mar de rosas é correr o risco de se frustrar a cada meia hora.
O problema é que essa corrida pela felicidade é estimulada de todas as formas pela cultura consumista em que
estamos mergulhados até a cabeça. No mundo onde tudo
se compra, a felicidade também virou produto, e passamos
a acreditar na possibilidade absurda de adquiri-la ou de nos
apossarmos dela como se fosse uma mercadoria qualquer.
Não é: felicidade não se compra, não se encomenda, não
se empresta. Somos felizes quando conseguimos, quando a
vida permite. E sentir-se infeliz não é nenhum sinal de incompetência ou de baixo poder aquisitivo. Basta existir para estar
sujeito à infelicidade. Ou basta não estar anestesiado.
As pessoas se esquecem da natureza da felicidade e da
precariedade da nossa própria natureza. Muitos querem ser
felizes a qualquer preço. Esperam que os filhos sejam felizes,
que o trabalho os faça muito felizes, que os romances e casamentos sejam eternamente felizes.
Melhor seria encolher as expectativas. Se os filhos tiverem momentos felizes, pode-se levantar as mãos para o céu.
Se os empregos proporcionarem alguma realização e trouxerem eventuais alegrias, já estarão de bom tamanho. E se os
romances e casamentos permitirem que as pessoas vivam
instantes prazerosos, se as fizerem rir de vez em quando, se
permitirem o crescimento do outro sem opressão, as pessoas
podem se dar por satisfeitas.
Considerar que a felicidade é céu sem nuvens e que
somos obrigados a encontrar a felicidade plena porque tudo
hoje prega o direito, ou o dever, de ser feliz é afastar cada
vez mais a felicidade possível. A obrigação de ser feliz é uma
bobagem. A de ser muito feliz, uma loucura. Mas na cultura
do muito, as pessoas acabam caindo nessa cilada.
(Leila Ferreira. Viver não dói. São Paulo: Globo, 2013. Adaptado)