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Sonhos de uma sesta
Como é bom tirar uma sesta, abaixar a cortina e dar um
risinho safado para o capital que se esborracha lá fora; como
é bom, mesmo para um falido, ajeitar os travesseiros — de
palha ou de pena de ganso — e cerrar os olhos para sonhos
pequenos. Uma sesta com os macaquinhos lá fora nos fios,
como a minha sesta carioca; uma sesta com as janelas abertas na rua da Aurora, a rua mais linda do mundo, de onde
avistam-se Beberibes, Capibaribes, Áfricas, Tongas e Polinésias…
Numa sesta não vale sonhos épicos, apenas sonhos pequenos, daqueles que a gente realiza num piscar de olhos.
Ou simplesmente deixa para lá. Ridículo correr desembestadamente atrás de sonhos. Sonhos são filmes grátis, que
vemos deitadinhos, sem o barulho ridículo de pipoca ou de
gente. Os sonhos são feitos pelos cineastas mortos, jeito de
ocupar-lhes no purgatório. Quanto dura uma sesta? O ideal é
que não se faça o uso do despertador, que não seja um curta-
-metragem, que seja um filme que se durma nele inteirinho.
A sesta com a benção da minha mãe.
– Meu filho, durma pelo menos uma meia horinha depois
do almoço.
Minha mãe chorava no dia em que fui embora, mas nada
dizia além da receita da sesta. Mulher de coragem: deixar
aquele graveto, só o couro e o osso, ganhar a estrada apenas
com uma rede que ela botou no fundo da mala...
Como eu queria achar de novo essa rede e tirar a maior
das sestas, mas troquei por alguma coisa, vício, comida, sei
lá, entre uns desalmados de um cortiço do Recife, num sótão
ali na Barão de São Borja. Até quando a usei, era uma rede
que balançava lágrimas e meus chinelos sempre acordavam
boiando de manhã.
(Xico Sá. In Humberto Werneck (org.). Boa companhia:
crônicas. São Paulo, Companhia das Letras, 2005. Adaptado)