Os imortais
De vez em quando, ao olhar para o meu filho – de três
anos, quase quatro – pergunto retoricamente qual será a
longevidade dele.
Nascido em 2015, ele pode conhecer o próximo século.
Mas se a medicina conseguir conquistar o envelhecimento e
a morte – não é esse o santo graal do momento? – será que
ele vai conhecer o novo milênio?
Esse pensamento ganhou forma com um ensaio
primoroso de Regina Rini, no “Times Literary Supplement”.
Escreve a autora: em 1900, um cidadão americano tinha
uma média de vida de 47 anos. Em 1950, a meta já estava
nos 68. Em 2057, é possível que o limite seja os 100.
Agora, imagine o seguinte, caro leitor: a ciência anuncia,
ainda durante as nossas vidas, que o envelhecimento e a
doença serão revertidos em 2119.
Sim, esse ano já será demasiado tarde para nós. Aliás,
será demasiado tarde até para os nossos filhos.
Mas não será para os nossos netos. Com essa data
imaginária, nós seremos os últimos mortais a partilhar a Terra
com os primeiros imortais. Que tipo de convivência teremos
com eles? Haverá inveja? Sofrimento? Desespero ante o
nosso (injusto) destino?
O ensaio de Rini é um elegante exercício de especulação
filosófica. E a autora termina a sua indagação com um
pensamento consolador: se as nossas vidas se justificam pelo
legado que deixamos aos outros, então devemos olhar para os
primeiros imortais como os felizes depositários desse histórico
legado.
Nós seremos o último elo entre a humanidade perecível
e a humanidade eterna.
A páginas tantas, Rini cita um dos meus filmes favoritos:
“Feitiço do Tempo”, uma comédia com Bill Murray. No filme,
Murray está preso no tempo, condenado a viver o mesmo dia
todos os dias.
Para Rini, o filme é uma boa metáfora sobre o tédio que
pode acometer os imortais e para o qual vários filósofos já nos
alertaram: quando estamos condenados a viver eternamente,
deixamos de ter urgência para fazer alguma coisa.
Mas existe uma outra dimensão do filme que a autora
ignorou: o personagem de Bill Murray só consegue seguir
em frente quando encontra um mínimo de sentido para a sua
existência.
E esse sentido não está no hipotético legado que deixará
para os vindouros. Está na forma como vive o seu presente.
Quando isso acontece – quando o personagem encontra um
propósito para si próprio e na relação com os outros – ele
consegue finalmente quebrar o feitiço e despertar na manhã
seguinte. Como diria o neurocientista Viktor Frankl, de que vale
ter uma vida de eternidade quando não há razões para vivê-la?
Da próxima vez que olhar para o meu filho, vou desejar-lhe
uma vida longa, sem dúvida. Desde que essa vida seja dotada
de sentido.
(João Pereira Coutinho. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2019/05/os-imortais.shtml. Publicado em 15.05.2019. Adaptado)