Leia o texto para responder à questão:
Os resistentes
Não sucumbi ao telefone celular. Não tenho e nunca terei
um telefone celular. Quando preciso usar um, uso o da minha
mulher. Mas segurando-o como se fosse um grande inseto,
possivelmente venenoso, desconhecido da minha tribo.
Sei que alguns celulares ronronam e vibram discretamente, em vez de desandarem a chamar seus donos com
música. Infelizmente, os donos nem sempre mostram a mesma discrição. Não é raro você ser obrigado a ouvir alguém
tratando de detalhes da sua intimidade ou dos furúnculos da
tia Djalmira a céu aberto, por assim dizer.
Não dá para negar que o celular é útil, mas no caso a
própria utilidade é angustiante. O celular reduziu as pessoas
a apenas extremos opostos de uma conexão, pontos soltos
no ar, sem contato com o chão. Onde você se encontra se
tornou irrelevante, o que significa que, em breve, ninguém
mais vai se encontrar.
Não tenho a menor ideia de como funciona o besouro
maldito. E chega um momento em que cada nova perplexidade com ele se torna uma ofensa pessoal, ainda mais para
quem ainda não entendeu bem como funciona uma torneira.
Ouvi dizer que o celular destrói o cérebro aos poucos.
Vejo a nós – os que não sucumbiram, os últimos resistentes – como os únicos sãos num mundo imbecilizado pelo
micro-ondas de ouvido, com o qual as pessoas trocarão
grunhidos pré-históricos, incapazes de um raciocínio ou
de uma frase completa, mas ainda conectadas. Seremos
poucos, mas nos manteremos unidos, e trocaremos informações. Usando sinais de fumaça.
(Luis Fernando Veríssimo [org. Adriana Falcão e Isabel Falcão],
“Os resistentes”. Ironias do tempo, 2018. Adaptado.)