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Indústria da solidão
“Já é de manhã, acorde”, diz meigamente uma voz feminina. O rapaz se senta, sonolento. E a câmera revela a dona da voz:
a holografia de uma típica bonequinha japonesa, batizada de
Azuma Hikari, protegida por uma cúpula de vidro.
“Bom dia”, diz Azuma, sorridente. O jovem pressiona um
botão e responde. Sensores detectam o movimento facial e a
voz do rapaz. A holografia sorri, diz que o dia está chuvoso,
sugere que ele leve o guarda-chuva e recomenda: “é melhor
correr, para não se atrasar”. É uma típica conversa de um
café da manhã em família.
A cena é do vídeo comercial do Gatebox, nome dado à
cápsula que contém Azuma, uma assistente virtual com inteligência artificial, que tem rosto, verbaliza sentimentos e carrega no tom romântico das conversas.
Ao longo do dia, por mensagens enviadas ao celular,
Azuma pergunta se o rapaz vai demorar, diz sentir saudades
e relembra algumas vezes que o está esperando.
Ele é recebido com pulinhos de alegria. E o rapaz confessa
o prazer de saber que há alguém em casa à sua espera.
A fabricante é objetiva na propaganda: Azuma é a companheira definitiva, uma namorada virtual, idealizada para aliviar a solidão de quem mora sozinho.
É um mercado assustadoramente promissor. No Japão,
uma pesquisa do Instituto Nacional de População e Previdência Social indica que cerca de 70% dos homens e 60% das
mulheres entre 18 e 34 anos estão solteiros e cerca de 42%
nunca mantiveram relações sexuais.
Mas a epidemia da solidão está bem longe ser regional.
Mais de 55 mil pessoas de 237 países preencheram um questionário proposto por instituições britânicas. Resultado: 33%
delas disseram se sentir frequentemente sozinhas, índice que
foi a 40% entre jovens de 16 a 24 anos.
Os números explicam o sucesso de serviços como
Personal Friend ou Rent a Friend. Por preços que variam de
US$ 10 a US$ 60 por hora é possível contratar uma companhia para jantar, participar de um jogo ou apenas fazer uma
caminhada, sem nenhuma conotação sexual.
Se para muita gente parece coisa de maluco, para alguns
médicos as iniciativas são tentativas desesperadas de manter
a saúde, pois a falta de conexões sociais é um fator de risco
mais importante para a morte precoce do que a obesidade e o
sedentarismo.
O impacto da solidão pode até diminuir, mas resta saber
o que vai acontecer com a saúde mental dessa gente.
(Sílvia Correa. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/silviacorrea/2019/08.
Acesso 29.08.2019. Adaptado)