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O assalto
A casa luxuosa no Leblon é guardada por um molosso de
feia catadura*, que dorme de olhos abertos, ou talvez nem
durma, de tão vigilante. Por isso, a família vive tranquila, e
nunca se teve notícia de assalto à residência tão bem protegida.
Até a semana passada. Na noite de quinta-feira, um homem conseguiu abrir o pesado portão de ferro e penetrar
no jardim. Ia fazer o mesmo com a porta da casa, quando
o cachorro, que muito de astúcia o deixara chegar lá, para
acender-lhe o clarão de esperança e depois arrancar-lhe toda
ilusão, avançou contra ele, abocanhando-lhe a perna esquerda. O ladrão quis sacar do revólver, mas não teve tempo para
isso. Caindo ao chão, sob as patas do inimigo, suplicou-lhe
com os olhos que o deixasse viver, e com a boca prometeu
que nunca mais tentaria assaltar aquela casa. Falou em voz
baixa, para não despertar os moradores, temendo que se
agravasse a situação.
O animal pareceu compreender a súplica do ladrão, e
deixou-o sair em estado deplorável. No jardim, ficou um pedaço de calça. No dia seguinte, a empregada não entendeu
bem por que uma voz, pelo telefone, disse que era da Saúde
Pública e indagou se o cão era vacinado. Nesse momento, o
cão estava junto da doméstica e abanou o rabo, afirmativamente.
(Carlos Drummond de Andrade. O sorvete e outras histórias, 1993. Adaptado)
* Cão robusto de feia aparência