Leia a crônica de Rubem Braga para responder a questão.
Cafezinho
Leio a reclamação de um repórter irritado que precisava
falar com um delegado e lhe disseram que o homem havia
ido tomar um cafezinho. Ele esperou longamente, e chegou à
conclusão de que o funcionário passou o dia inteiro tomando
café.
Tinha razão o rapaz de ficar zangado. Mas com um pouco de imaginação e bom humor podemos pensar que uma
das delícias do gênio carioca é exatamente esta frase:
– Ele foi tomar café.
A vida é triste e complicada. Diariamente é preciso falar
com um número excessivo de pessoas. O remédio é ir tomar
um “cafezinho”. Para quem espera nervosamente, esse “cafezinho” é qualquer coisa infinita e torturante.
Depois de esperar duas ou três horas dá vontade de
dizer:
– Bem, cavaleiro, eu me retiro. Naturalmente o Sr. Bonifácio morreu afogado no cafezinho.
Ah, sim, mergulhemos de corpo e alma no cafezinho.
Sim, deixemos em todos os lugares este recado simples e
vago:
– Ele saiu para tomar um café e disse que volta já.
Quando a bem-amada vier com seus olhos tristes e perguntar:
– Ele está?
– Alguém dará o nosso recado sem endereço.
Quando vier o amigo e quando vier o credor, e quando
vier o parente, e quando vier a tristeza, e quando a morte vier,
o recado será o mesmo:
– Ele disse que ia tomar um cafezinho...
Podemos, ainda, deixar o chapéu. Devemos até comprar
um chapéu especialmente para deixá-lo. Assim dirão:
– Ele foi tomar um café. Com certeza volta logo. O chapéu dele está aí...
Ah! fujamos assim, sem drama, sem tristeza, fujamos
assim. A vida é complicada demais. Gastamos muito pensamento, muito sentimento, muita palavra. O melhor é não
estar.
Quando vier a grande hora de nosso destino, nós teremos saído há uns cinco minutos para tomar um café. Vamos,
vamos tomar um cafezinho.
(Rubem Braga.https://www.culturagenial.com/
cronicas-famosas-comentadas/Acesso: 18.11.2021)