Leia o texto, para responder à questão.
Ainda alcancei a geração que cedia o lugar às senhoras
grávidas. Se uma delas tomava o bonde, três, quatro ou cinco
jovens se arremessavam. E a boa e ofegante senhora tinha
seu canto, tinha seu espaço. E, quando ia pagar a passagem,
dizia o luso condutor por trás dos bigodões: “Já está paga, já
está paga!”.
E assim, num simples gesto, temos o perfil, o retrato, a
alma do antigo jovem. Hoje, não. Outro dia, fui testemunha
auditiva e ocular de um episódio patético. Vinha eu, em pé,
num ônibus apinhado. Passageiros amassados uns contra os
outros. Essa promiscuidade abjeta desumanizava todo mundo. O sujeito perdia a noção da própria identidade e tinha
uma sensação de bicho engradado. Pois bem. E, de repente,
o ônibus para, e entra, exatamente, uma senhora grávida.
Oitavo ou nono mês.
O ônibus estava vibrante, rumoroso de jovens estudantes. Imaginei que esses latagões(*) iam dar uns dez lugares
à mater recém-chegada. Pois bem. Ninguém se mexeu e,
repito, ninguém piou. E foi aí que percebi subitamente tudo.
Ali estava uma nova geração, sem nenhuma semelhança
com as anteriores. Durante meia hora a pobre mulher ficou
em pé, no meio da passagem. Faço uma ideia das cambalhotas que não virou o filho. Eis o que importa destacar: – ela
viajou e desceu, e não teve a caridade de ninguém.
(Nelson Rodrigues, Jovens imbecilizados pelos velhos.
O óbvio ululante: primeiras confissões. Adaptado)
(*)latagões: homens jovens, robustos e de grande estatura.