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Uma galinha
Era uma galinha de domingo. Ainda vivia porque não passava de nove horas da manhã.
Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto
da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para
ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade
com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra.
Nunca se adivinharia nela um anseio.
Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de
curto voo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar
a murada do terraço. Um instante ainda vacilou – o tempo
da cozinheira dar um grito – e em breve estava no terraço
do vizinho, de onde, em outro voo desajeitado, alcançou um
telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num,
ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa,
lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu rapidamente um
calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em
pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e
trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição
tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido
mais de um quarteirão de rua. Pouco afeita a uma luta mais
selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma
os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O
rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima
que fosse a presa o grito de conquista havia soado.
Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua
fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa.
Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das
telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência.
Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e
indecisos.
(Clarice Lispector, Laços de Família. Adaptado)