Leia o texto para responder à questão.
Me descobri brasileiro em 1994, quando ajudei a enfeitar
com rabiolas a rua pra assistir à Copa do Mundo. Era a primeira televisão em cores da família, ainda que fosse preciso
girar, de vez em quando, o botão de sintonia daquela velha
Philco 12 polegadas para assistir à sequência de jogos duros,
mas vitoriosos.
Descobri ali que o barato era vitória sofrida, de preferência com gol nos últimos minutos, porque as reações eram
melhores.
Eu gostava de ver o povo apreensivo, ouvir os gritos, a
comemoração. Meu pai, que era rígido e reclamava silêncio
até em final de novela, deixava rolar um alvoroço em dia de
jogo. Afinal de contas, era a Copa. E foi meu primeiro evento
coletivo como brasileiro, já que no impeachment do Collor eu
não sabia bem do que se tratava e a TV ainda era em preto
e branco.
A final foi um empate lascado, com decisão nos pênaltis.
Roberto Baggio meteu a bola por cima do gol de Taffarel
e danou-se, morteiro estourando na rua, buzina, gritaiada “é
tetra!”; eu gritava errado: “é tretra!”. Eu não sei explicar bem,
mas senti um certo orgulho de contribuir com aquele resultado ao amarrar a rabiola no portão. Ajudei a fazer uma grande
coisa, que eu nem sabia bem para que servia, mas se o Brasil
tinha ganhado era, portanto, uma grande coisa.
Eu não queria que aquilo acabasse, não podia durar uma
semana a mais? Mas no dia seguinte já não era Copa. Era
preciso evitar a bagunça, logo mais desfazer os enfeites, se
despir da fantasia e retomar a normalidade, reconquistando a
rotina que é própria de cada um.
(Ricardo Terto. Quem é essa gente toda aqui?. Todavia, 2021. Adaptado)