Empreendedores culturais são o futuro que não demora
Há algo de bonito e triste que sempre me chama atenção
na letra de Fórmula Mágica da Paz, dos Racionais MC’s. Na
letra, dizem que o espaço onde viviam nos anos 90 era como
um campo minado, cheio de problemáticas estruturais. Mesmo assim, eles não desistiram de encontrar uma saída, uma
solução. De lá para cá, passaram-se quase 30 anos e ainda
identificamos pontos em comum com aquela realidade.
O país, que foi marcado pela colonização e conflitos
diversos, é palco de características únicas que atravessam e reverberam até os dias de hoje tanto nas vivências
como na expressão artística da população preta e pobre.
Em 2019, enquanto prestava mentorias com OPreta para
empreendedoras negras e indígenas a convite da Feira
Preta, aprendi a usar uma expressão que define bem essa
gana por sobrevivência, esse jeitinho brasileiro de não
desistir nunca: a sevirologia, arte de se virar e achar uma
solução para tudo.
O empreendedor cultural, assim como o empreendedor
social, não busca somente resultados financeiros, mas também resultados com missão social-cultural. Esse empreendedor observa oportunidades, ou seja, onde o Estado atua de
maneira desigual e insuficiente, lá está esse empreendedor
investindo recursos financeiros ou não para realização de atividades que fomentem o bem-viver, a educação e formação
de cidadãos.
De acordo com pesquisa da Unesco, antes da pandemia, segmentos culturais e criativos tinham previsão de gerar
R$ 43,7 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) até 2021.
Entretanto, conforme indicaram os resultados da Pesquisa
da FGV, os setores de economia criativa, com atividades do
setor cultural, estão entre os mais prejudicados pela recente
crise sanitária.
Felizmente, não é difícil afirmar que há uma crescente
positiva em relação às expressões artísticas empreendedoras e autônomas, em diferentes formatos, não só musicais.
Vemos celulares simples como trampolins para pessoas saírem do anonimato e protagonizarem suas narrativas cotidianas, a exemplo disso destaco a Fernanda Souza (@correrua)
e Jef Delgado (@jefdelgado), diretores criativos e fotógrafos
que alcançaram grandes marcas e símbolos relevantes para
a cultura nacional e internacional.
É possível que a associação não seja automática, mas
acredito que pertencemos a uma geração que responde ao
tempo. Refletimos o passado e desfrutamos, no presente, de
direitos conquistados. Peço licença aos meus mais velhos
para citar a ideologia de Sankofa, ao retornar ao passado
ressignificamos o presente e construímos o futuro. E em
minha opinião, no futuro, empreendedores culturais serão
inevitáveis e contundentes para a sustentação da economia
do país, talvez do mundo.
(Leila Evelyn dos Santos, “Empreendedores culturais são o
futuro que não demora”. Folha de S.Paulo, 28.07.2023. Adaptado)