No começo de novembro de 1985, um estudante brasileiro de pós-graduação na prestigiosa Universidade de Yale
e um escritor português de fama crescente, mas ainda muito
longe do ícone literário que acabaria por se tornar, passaram
algumas horas agradáveis em uma conversa-entrevista na
ilha de Manhattan. Havia apenas nove anos que o escritor
lusitano tinha começado sua carreira temporã e, naquele dia
frio do outono nova-iorquino, já com 63 anos, ele começava a
enveredar por um caminho de reconhecimento internacional
e ficou encantado com o interesse do jovem pesquisador brasileiro, de apenas 30 anos, em sua obra emergente. Trinta e
sete anos depois, aquele encontro entre José Saramago, que
13 anos mais tarde ganharia o Nobel de Literatura, e o poeta, tradutor e professor da Universidade de São Paulo (USP)
Horácio Costa finalmente virou livro.
Mas por que a entrevista demorou tanto a ser publicada? A explicação é do próprio Costa, em sua apresentação:
“Porque esteve perdida entre muitas caixas de papéis e livros
que vieram do México, quando regressei ao Brasil em 1997 e
2001, nas duas mudanças que trouxe de lá por via marítima”,
explica ele, que viveu cerca de duas décadas no México. E
havia mais duas explicações adicionais. A primeira: Horácio
Costa não queria publicar a entrevista antes de finalizar sua
tese. A outra, mais prosaica: ele acreditava piamente que as
duas fitas cassetes com a entrevista saramaguiana tinham
se perdido para sempre em meio a tantas mudanças. Até que
em 2020, durante a pandemia, numa velha caixa preta de
sapatos, encontrou as tais fitas.
“Esse diálogo assimétrico entre um pós-graduando, obviamente feliz com a perspectiva de estudo que descortinava,
e um escritor tardio que se confessava surpreso com a sua
recente ascensão ao teatro internacional da literatura é possivelmente, e para lá dos conteúdos nele desenvolvidos, o que
de mais característico têm essas páginas”, afirma Costa em
sua apresentação.
Ao longo de toda a conversa, José Saramago vai revelando suas influências, a composição de seu estilo, a forma
de elaborar seus livros – uma ourivesaria que só se faria
sofisticar pelos anos seguintes.
(Marcello Rollemberg. Quando Saramago se preparava para ser Saramago.
https://jornal.usp.br, 18.11.2022. Adaptado)