Podemos resumir a situação atual da língua portuguesa no
mundo apontando os seguintes aspectos:
a) ela é a língua hegemônica em apenas dois países:
Portugal e Brasil;
b) é a língua oficial de nove países (Portugal, Brasil, Angola,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e
Príncipe, Timor-Leste e Guiné Equatorial) e de Macau –
Região Administrativa Especial da República Popular da
China desde 1999;
c) é falada em comunidades de imigrantes (a chamada
“diáspora lusófona”) em vários lugares do mundo, dentre
outros nos Estados Unidos, no Canadá, na Venezuela, na
África do Sul, na França, na Alemanha, em Luxemburgo,
no Japão, no Paraguai e na Austrália;
d) é ainda falada em pequenas comunidades
remanescentes do colonialismo português na rota da
Ásia, como em Goa (Índia); ou em áreas de antiga
ocupação portuguesa, como no norte do Uruguai.
Em todos esses contextos, com exceção de Portugal e Brasil,
ela é língua minoritária. No caso das comunidades de
imigrantes e das comunidades remanescentes, seu futuro é
incerto. Poderá continuar sendo falada ou, sob pressão das
línguas majoritárias, tenderá progressivamente a
desaparecer – como tem muitas vezes ocorrido com as
línguas de imigração – a partir da terceira geração.
Nos contextos em que ela é língua oficial, mas não
hegemônica, prevê-se que ampliará sua presença, seja como
língua materna, seja como segunda língua. Nos países
africanos e no Timor Leste, estará sempre presente, como
foco de relativa tensão, o estatuto das demais línguas
nacionais, patrimônio de que, certamente, nenhuma dessas
sociedades abrirá mão, considerando sua força identitária.
Do ponto de vista quantitativo, há hoje pouco mais de
250.000.000 de pessoas que falam o português, como
primeira ou segunda língua, no mundo. Isso o torna a terceira
língua europeia mais falada, perdendo apenas para o inglês
e o espanhol. Com esse contingente de falantes, está entre
as dez línguas mais faladas no mundo. Embora o número de
falantes possa impressionar, sua importância é relativa,
considerando que aproximadamente 85% de seus falantes
estão hoje concentrados num só país – o Brasil.
Além disso, a língua portuguesa enfrenta também a
dissonância que tem impedido os dois únicos países em que
ela é hoje hegemônica de fazer convergir ações de difusão
da língua. E o conjunto de países de língua oficial portuguesa
não encontrou ainda os rumos para ações coletivas e
compartilhadas, embora disponham do Instituto Internacional
da Língua Portuguesa para isso. Vivem, portanto, uma clara
encruzilhada.
Mas o Brasil tem também outros problemas que limitam seu
protagonismo no âmbito da difusão da língua:
a) os seus índices de analfabetismo são ainda elevados: 9%
da população entre 15 e 65 anos são analfabetos. Por
outro lado, são altos os índices do chamado
analfabetismo funcional;
b) o sistema educacional brasileiro, embora tenha
universalizado, no fim da década de 1990, o acesso
infantil às primeiras séries do ensino fundamental, não
conseguiu ainda superar os altos índices de evasão e o
baixíssimo rendimento da ação escolar. Na educação
média, metade dos jovens entre 15 e 17 anos está fora da
escola;
c) por fim, o Brasil até hoje não conseguiu resolver
adequadamente a questão de sua norma de referência.
Há um conflito histórico entre a norma efetivamente
praticada no país (a chamada norma culta) e a norma gramatical definida artificialmente no século XIX (a
chamada norma-padrão) e ainda defendida por uma
tradição estreita e dogmática, que tem adeptos no
sistema de ensino e nos meios de comunicação social.
Esse conflito tem efeitos negativos sobre o modo como
tradicionalmente se representa a língua no imaginário do
Brasil, vista aí, com frequência, como cheia de erros e
deformações. O país tem tido, ao longo de século e meio,
grandes dificuldades para reconhecer sua “cara linguística” e,
em consequência, para promover uma educação linguística
consistente.
FARACO, C. A. História sociopolítica da língua portuguesa. São Paulo: Parábola,
2016. p.360-363.
Excerto adaptado