Procrastinação: entenda essa inimiga. E livre-se dela.
Adiar tarefas importantes em prol de atividades inúteis é uma tendência universal, com raízes biológicas.
Mas quando o problema se torna crônico pode (e vai) arruinar sua carreira. Conheça as causas
da procrastinação e veja estratégias científicas para combatê-la. Só não deixe para ler depois.
“O homem que adia o trabalho está sempre a lutar com desastres.”
A frase é da obra “Os trabalhos e os dias”, do poeta grego Hesíodo, que viveu e escreveu no século 8 a.C. No texto
em questão, ele aconselha o seu irmão Perses, com quem tem desavenças, sobre a questão do trabalho – alertando-o
para nunca deixar as tarefas importantes para depois.
“Não adies para amanhã nem depois de amanhã, pois não enche o celeiro o homem negligente, nem aquele que adia:
a atenção faz o trabalho prosperar”, continua o poeta.
A obra grega em questão é tão antiga quanto os trechos mais ancestrais da Bíblia, escritos na mesma época. E registra
a luta da humanidade contra um demônio persistente: a procrastinação – o ato de não deixar para amanhã aquilo que
pode ser feito depois de amanhã.
Pior. Tecnologias que facilitam a vida sempre trouxeram como efeito colateral um convite ao adiamento sem fim.
Em 1920, por exemplo, a escritora inglesa Virginia Woolf reclamou sobre estar perdendo tempo demais com as novidades
de sua época em vez de se concentrar naquilo que realmente importava. “Planejei uma manhã de escrita tão boa, e gastei
a nata do meu cérebro no telefone”, escreveu em seu diário.
Tudo bem, Mrs. Woolf. Até este texto foi finalizado poucas horas antes do prazo derradeiro – em parte por conta da
procrastinação deste que vos escreve.
A culpa não é (só) nossa. A procrastinação é um fenômeno universal e atemporal porque tem causas biológicas,
psicológicas e sociais. Embora alguns sofram mais com ela do que outros, ninguém consegue fugir totalmente da tentação
de adiar tarefas.
Na dúvida, culpe Darwin. Humanos não são muito afeitos a tarefas cuja recompensa só vem em longo prazo. “Nosso
cérebro é bom em escolher o que nos traz benefício no aqui e agora”, explica Claudia Feitosa-Santana, neurocientista pela
Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro “Eu controlo como eu me sinto” (2021). “Tudo que é visto como algo
que está lá no futuro, o cérebro é bom em literalmente não escolher”.
Curtir memes no TikTok, jogar um game ou ver aquele episódio a mais de uma série na Netflix à 1h da manhã trazem doses
de prazer e felicidade instantaneamente. Adiantar o relatório, estudar para a prova ou organizar o guarda-roupas são tarefas
que, além de desagradáveis, seguem uma lógica de longo prazo – e podem (quase) sempre ser deixadas para depois. O lado
primitivo do seu cérebro sempre vai preferir gastar energia e atenção com algo que traga resultado imediato.
Os primatas do gênero Homo, que deram origem à nossa espécie, evoluíram por dois milhões de anos em ambiente
selvagem. Nossa massa cinzenta foi forjada ali, não no relativo conforto da civilização. E segue programada para viver sob
aquelas condições. Gastar energia com tarefas que só trarão algum benefício lá na frente simplesmente não é a melhor
opção para um cérebro que está a todo momento tentando achar comida e fugir de predadores. O melhor mesmo é focar
no agora.
Mas claro que nosso cérebro também tem um lado 100% racional – é o córtex pré-frontal, a parte que, como o nome
diz, fica bem na frente da nossa cabeça. Ele é responsável por aquilo que nos diferencia dos animais – o pensamento a
longo prazo, o planejamento. O córtex pré-frontal sabe que estudar matemática, ler um pouquinho por dia e adiantar o
trabalho para não deixar acumular em cima do prazo são decisões importantes.
A procrastinação, no fim das contas, é o resultado de uma briga entre a parte primitiva do cérebro, que quer guardar sua
energia para missões mais imediatistas, e a parte racional, que puxa para empreitadas desagradáveis, mas necessárias. E o
resultado às vezes é um “bug” que faz a gente travar, sem saber se inicia ou não a tarefa – tudo isso enquanto sente culpa e
tensão, porque seu córtex pré-frontal faz questão de te lembrar que deveria estar na ação.
Mas, para ser justo, apontar o dedo para Darwin não é lá a melhor desculpa. É que as origens biológicas são apenas
uma parte da causa – e nem são as mais relevantes. O vício de adiar até o último momento não afeta todo mundo de
maneira igual. “Embora todo mundo procrastine, nem todo mundo é um procrastinador”, diz Joseph Ferrari, professor de
psicologia da Universidade de Chicago (EUA).
Uma das estratégias mais indicadas para vencer a procrastinação é tentar vencer a ideia de que as tarefas são difíceis
ou desafiadoras demais. Lembra daquele conceito de que, quanto mais procrastinamos, mais a bola de neve aumenta e
parece ameaçadora? Para evitar isso, quebre as obrigações em missões menores, e vá cumprindo-as uma a uma ao longo
de todo o prazo. Ao vencer as primeiras etapas, as restantes vão se tornando menos e menos amedrontadoras – afinal,
você percebe que consegue cumpri-las mais rápido do que pensava.
Nessa mesma lógica, é preciso elencar o que fazer primeiro. Gastar tempo com atividades fáceis e deixar o grosso
para o final do prazo é justamente uma estratégia de procrastinação. E fazer o mais difícil primeiro serve de incentivo
para matar o resto – na lógica do “o pior já passou”. Também dá para aplicar a estratégia das recompensas aqui. Para
cada “etapa” da empreitada cumprida com antecedência, se dê algum benefício – uma pausa maior, um episódio da série,
uma partida de seu game favorito etc. Se você estiver numa posição de liderança, considere o mesmo para toda a equipe.
Para aquelas tarefas pequenas e simples, a dica é encaixá-las nos momentos em que a produção de outras atividades
já está rolando, de modo que elas não fiquem sendo eternamente procrastinadas.
Outra dica realista é aceitar um pouco de procrastinação. Como vimos, ela é um comportamento universal, que não
será 100% evitável. Mesmo rotinas saudáveis e organizadas, com períodos de descanso e lazer bem encaixados, vão eventualmente encontrar a tentação de deixar atividades para depois do planejado inicialmente.
(Bruno Carbinatto. Disponível em: https://vocesa.abril.com.br/desenvolvimento-pessoal/procrastinacao-entenda-essa-inimiga-e-livre-se-dela/. Acesso
em: 20/07/2023. Fragmento.)