A CULTURA DA REPETÊNCIA
A promoção automática e os chamados ciclos
viraram o bode expiatório do que está errado com a
educação. Com Cândido Gomes, saí à busca de explicações.
Alguns países desenvolvidos permitem a
reprovação. Mas não é em massa, como prática pedagógica
para incentivar a aprendizagem. Outros, como o Japão, têm
promoção automática. Contudo, há enorme pressão da
família, dos colegas e da sociedade. Nos Estados Unidos e
no Reino Unido praticamente não há reprovação, porém há
possibilidade de agrupar os alunos mais e menos "fortes"
em turmas diferentes. A Espanha conseguiu bons resultados
não reprovando no interior de cada ciclo e está mantendo a
mesma política em seu projeto de reforma. Esses países
aprenderam – não sem muito empenho – a fazer com que os
alunos se esforcem, sem o terror da reprovação.
Comparando os países que adotam e os que não adotam a
reprovação, os testes internacionais não mostram nenhuma
vantagem para a prática sistemática da reprovação. Uma
pesquisa recente, nos Estados Unidos, mostrou que
reprovar tende a ser pior do que aprovar quem não sabe.
Exceto em casos de aproveitamento muito baixo, o aprovado
sem saber aprende mais na série seguinte do que o
repetente.
De tempos idos, glorificamos no Brasil a "cultura da
repetência", em que a marca do ensino sério era reprovar
muitos alunos. Nos últimos anos, houve uma tentativa de
erradicar essa prática, seja convencendo os professores de
que é uma política equivocada, seja pela criação de ciclos de
dois ou mais períodos, dentro dos quais não há reprovação.
Obviamente, não há mágica, pois essas experiências não
passam da ponta do iceberg de uma solução complexa. Não
se trata somente de eliminar a reprovação, por súplica ou
decreto. O que fará com que os alunos se dediquem aos
estudos? Não devem nos surpreender as reclamações dos
pais dos alunos de classe média, pois as ameaças de
punições tenebrosas aos reprovados tinham bons
resultados.
Portanto, ensaiamos um primeiro passo ao criar os
ciclos escolares e frear as reprovações. Mas há que
substituir o medo da reprovação por mecanismos mais
saudáveis de recompensas e punições. Para haver ganhos
de aprendizagem, precisamos mexer na caixa-preta da sala
de aula. Mas boas idéias e pregações não resolvem o
problema.
O balancete da não-reprovação no Brasil ainda está
pouco claro, mas o que sabemos não permite condená-la, a
priori. Um estudo cuidadoso do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (Saeb), feito por Kaizo
Beltrão e Ferrão, mostrou que "a penalização de reter o
aluno na série é muito maior que a de ele estudar numa
escola com o ensino organizado em ciclos". Todavia, deixar
avançar um aluno não completamente alfabetizado pode ser
uma péssima idéia.
A maldição de tais medidas é ser uma solução
"fácil", pois elas aumentam as conclusões e os custos se
reduzem, sem o trabalho árduo de melhorar a sala de aula.
Portanto, para mostrar melhores resultados, algumas
autoridades "sugerem" que não se reprove. Mas tampouco
podemos condenar uma idéia cuja implementação não se
completou. Falta construir o sistema que vai substituir o
medo da repetência por outros estímulos mais eficazes,
sobretudo diante de alunos heterogêneos.
Estamos diante de um dilema. A reprovação em
massa é péssima. Para beneficiar os alunos de classe média,
em que o medo da reprovação e das punições paternas faz
milagres, não podemos voltar a um sistema de
conseqüências sinistras para os mais pobres. Mas eliminar a reprovação sem melhorar a sala de aula é quase tão ruim.
Escapar do dilema requer condições mínimas para o
aprendizado, avaliação contínua e feedback ao aluno, com
novos prêmios e sanções. Quem tropeça precisa de
oportunidades concretas de recuperação paralela e atenção
especial. As exigências e expectativas em relação ao aluno
têm de ser realistas e sua auto-estima, tratada com carinho.
Precisamos abandonar a discussão bolorenta da
aprovação automática versus reprovação em massa. O
desafio é melhorar a sala de aula, de tal forma que os alunos
sejam aprovados porque sabem o que precisam saber.
(Claudio de Moura Castro - Revista Veja, 7 de janeiro de
2009)