O consumo como forma de afeto
Um ponto comum nas divergentes opiniões de pais
sobre os jovens é a crítica ao consumismo exacerbado.
Como entender esse comportamento à luz do que ocorreu
com a sociedade brasileira nas últimas décadas? Para
começar, há um encolhimento da família tradicional. Pais
têm um ou dois filhos, muitas vezes criados por apenas um
deles, já que quase 25% dos casamentos acabam antes dos
dez anos. Mães e pais saem desde cedo de casa para
trabalhar. E, encerrada a licença-maternidade, boa parte das
mulheres (quase 70% delas trabalham fora de casa hoje)
retoma sua lide diária de deslocamentos e dias extenuantes
em escritórios, lojas e fábricas. Os pais continuam correndo
atrás do pão nosso de cada dia.
Culpados pela sensação de que estão longe dos filhos,
eles tentam, muitas vezes, compensar a distância com
presentes. Não é à toa que, em pouco tempo, o quarto dos
pequenos está abarrotado de brinquedos, bonecas,
joguinhos e tudo o mais que estiver ao alcance do cartão de
crédito. Os pequenos percebem logo cedo que a birra, o
choro, a reclamação e o protesto são boa moeda de troca na
hora de conseguir o que querem. Pais com dificuldade de
dizer “não” e filhos ávidos em ganhar resultam em jovens
que consomem.
Nossa sociedade também forneceu o molde para que
essas transformações ocorressem. O valor do indivíduo
passou a ser medido, numa escala maior do que outras, por
aquilo que ele tem. O mérito da pessoa é avaliado hoje de
uma maneira muito superficial, por aquilo que pode ser
mostrado. E o consumo é moeda forte nesse mercado.
Para além do bom ou do ruim, o fenômeno é um reflexo
dos tempos que vivemos. Mas é importante lembrar que
existem outras possibilidades e valores que podem ser
trabalhados com os filhos. Senão, corremos o risco de criar
adultos insuportáveis. As escolhas profissionais, pessoais,
amorosas podem vir influenciadas exclusivamente por esse
viés consumista e individualista. A vida emocional pode ficar
ainda mais solitária, pragmática e chata. Esse futuro é seu
sonho de consumo?
(Jairo Bouer. Revista Época. 2012. Com adaptações.)