Fizeram a gente acreditar
Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos. Não nos
contaram que amor não é acionado nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos
a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade
de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada “dois em um”, duas pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era
que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que
poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos.
Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que pouco se relacionam são caretas, que os que
se relacionam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito
mais cabeça torta do que pé torto.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à
marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras
alternativas. Ah, nem contaram que ninguém vai contar. Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito
apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz se apaixonar por alguém.
(MEDEIROS, Martha. Trem-abala. 1ª ed. 2018. Adaptado.)