O PAPA FRANCISCO E O FALSO NATAL
Imagino quanto os políticos brasileiros teriam a aprender com o papa em humildade e dignidade
RUTH DE AQUINO
23/12/2015 - 21h15 - Atualizado 23/12/2015 21h15
Num ano em que o Brasil fez mal ao fígado e
o mundo foi atacado com crueldade pelo terror
islâmico, um hermano argentino de quase 80 anos
nos encheu de esperança na humanidade. O papa
Francisco pode até dizer, a cardeais e bispos,
que continuará a “reforma da Igreja”. Modéstia.
Francisco é um revolucionário. E por isso elegeu a
corrupção como um dos maiores males a combater.
Não só a corrupção alheia. Ele substituiu o conselho
do Banco do Vaticano. Enquanto viver, não quer
mais testemunhar desvios do dinheiro destinado à
caridade.
Francisco sabe o que diz. Sabe como dizer. Sem
papas na língua, amedronta os “duros” no Vaticano.
Aqueles que se agarram a uma “autoridade divina”
para manter regalias e continuar acima do bem e do
mal. Nosso papa sabe como conquistar católicos e
não católicos para sua cruzada utópica. Porque sua
palavra é a palavra da paz, da tolerância, do diálogo
entre opostos, mas também do combate às guerras.
E, por tudo isso, é reeleito Personagem Mundial e
Líder do Mundo por diferentes organizações em
diversos países.
O papa Francisco jogou por terra a imagem
dúbia e conservadora que o Vaticano muitas vezes
projetou sobre o mundo, ao cobrar a punição de
todos os religiosos que cometeram pedofilia. O
papa é pop e tem um sorriso contagiante. Sua falta
de medo deriva de sua bondade e de sua confiança
no outro. E também de uma profunda perspicácia
da diplomacia internacional e dos grandes temas
que nos afligem, dentro e fora de nossas casas.
Escreveu uma encíclica sobre o meio ambiente,
algo que jamais moveu os sumos pontífices
anteriores a um mero pronunciamento. Sua palavra
de amor e compreensão a todos que não se encaixam
nas regras, sejam homossexuais, transexuais ou
mulheres que se submeteram a um aborto, causou
ondas de espanto no Vaticano e no mundo. Aí está,
pensamos nós, um ser extraordinário.
“Temos de derrubar muros e construir pontes.”
Essa é uma frase favorita do papa Francisco – o
primeiro na História a convidar um imã (líder
religioso muçulmano) a subir com ele em seu
papamóvel.
Seu nome de batismo é Jorge Bergoglio. Imagino
quanto os políticos brasileiros, que gostam de
ser fotografados nas missas e nos cultos, teriam a aprender com este papa! Em humildade e em
dignidade. Ele rezou uma missa nas Filipinas no
meio de um tufão – protegia-se com uma capa
amarela, como se fosse mais um na multidão de
fiéis. Quando foi aos Estados Unidos, andou num
carro Fiat 500. Sempre, nos lugares mais perigosos
ou em momentos conturbados, aproveitou para se
misturar aos pobres, carentes e desassistidos. Aos
deficientes físicos, às crianças, aos velhos.
O papa não para. Suas viagens em 2015 o
levaram a 11 países de quatro continentes. Países
em conflito ou simplesmente países esquecidos.
“Por favor, não temos direito a permitir mais outro
fracasso neste caminho de paz e reconciliação”,
disse ele, sobre as negociações para um acordo de
paz na Colômbia, entre as Farc (Forças Armadas
Revolucionárias) e o governo. Seu voo histórico
entre Santiago de Cuba e Washington mostrou sua
fibra, a fibra de um homem comum – em toda a
santidade embutida nesta expressão: “Um homem
comum”.
No dia de seu aniversário de 79 anos, 17 de
dezembro, o papa decidiu canonizar madre Teresa
de Calcutá, a quem se atribui a cura milagrosa de
um engenheiro brasileiro que sofria de um câncer
terminal no cérebro e hoje vive com saúde, aos 42
anos. Madre Teresa é um símbolo da Igreja que o
papa Francisco defende, mais comprometida com
os pobres e com os que sofrem.
Madre Teresa foi até as “periferias da existência”,
uma expressão usada por Francisco para se
referir a todos os abandonados, que sobrevivem
à margem das sociedades. Na periferia material,
estão seres humanos sem casa, sem educação,
sem saúde, sem dignidade. Na periferia afetiva,
estão os drogados, os deprimidos, os sós. Quantas
vezes passamos por doentes da alma sem um olhar
de mero reconhecimento de sua existência. Sejam
eles de nossa família ou estranhos.
Francisco foi o primeiro papa a ter a coragem, no
mês passado, de denunciar o falso espírito do Natal
num mundo em guerra. “Teremos luzes, festas,
árvores luminosas e presépio. Tudo falso: o mundo
continua fazendo guerras. O mundo não entendeu
o caminho da paz. Em todo lugar existe guerra
hoje, existe ódio. O que permanece de uma guerra?
Ruínas, milhares de crianças sem educação, vários
mortos inocentes e muito dinheiro no bolso dos
traficantes de armas.”
Vida longa ao papa! Que o Brasil passe a honrar
sua população e não deixe grávidas e doentes
sem assistência, barrados nos hospitais, numa
crueldade sem nome. Que sejamos todos melhores
no próximo ano.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2015/12/o-papa-francisco-e-o-falso-natal.html, acesso em 26 de
dez, de 2015.