O compadre pobre
O coronel, que então já morava na cidade, tinha um compadre sitiante que ele estimava muito. Quando um filho do compadre Zeferino ficava doente, ia para a casa do coronel, ficava
morando ali até ficar bom, o coronel é que arranjava médico,
remédio, tudo.
Quase todos os meses o compadre pobre mandava um
caixote de ovos para o coronel. Seu sítio era retirado umas
duas léguas de uma estaçãozinha da Leopoldina, e compadre Zeferino despachava o caixote de ovos de lá, frete a pagar. Sempre escrevia no caixote: CUIDADO, É OVOS — e cada
ovo era enrolado em sua palha de milho com todo carinho
para não se quebrar na viagem. Mas, que o quê: a maior
parte quebrava com os solavancos do trem.
Os meninos filhos do coronel morriam de rir abrindo o
caixote de presente do compadre Zeferino; a mulher dele
abanava a cabeça como quem diz: qual… Os meninos, com
as mãos lambuzadas de clara e gema, iam separando os ovos
bons. O coronel, na cadeira de balanço, ficava sério; mas, reparando bem, a gente via que ele às vezes sorria das risadas
dos meninos e das bobagens que eles diziam: por exemplo,
um gritava para o outro — “cuidado, é ovos!”
Quando os meninos acabavam o serviço, o coronel perguntava: — Quantos salvaram?
Os meninos diziam. Então ele se voltava para a mulher:
“Mulher, a quanto está a dúzia de ovos aqui no Cachoeiro?”
A mulher dizia.
Então ele fazia um cálculo do frete que pagara, mais do
carreto da estação até a casa e coçava a cabeça com um ar
engraçado: — Até que os ovos do compadre Zeferino não
estão me saindo muito caros desta vez.
Um dia perguntei ao coronel se não era melhor avisar ao
compadre Zeferino para não mandar mais ovos; afinal, para ele,
coitado, era um sacrifício se desfazer daqueles ovos, levar o caixote até a estação para despachar; e para nós ficava mais em
conta comprar ovos na cidade.
O coronel me olhou nos olhos e falou sério: — Não diga
isso. O compadre Zeferino ia ficar muito sem graça. Ele é muito
pobre. Com pobre a gente tem de ser muito delicado, meu filho.
(BRAGA, R. O Compadre Pobre. 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro:
Record, 2013. Fragmento.)