A cidade onde as pessoas vivem embaixo da Terra por causa do calor
Na longa estrada rumo ao centro da Austrália, 848 km ao norte das planícies
costeiras de Adelaide, surgem enigmáticas pirâmides de areia. Em torno delas, o
cenário é totalmente desolado —uma extensão sem fim de poeira rosa-salmão,
ocasionalmente salpicada de teimosos arbustos. No entanto, à medida que se avança
pela rodovia, surgem outras construções misteriosas similares — montes de terra clara,
espalhados aleatoriamente como monumentos esquecidos há muito tempo. E, de vez em
quando, tubos brancos se elevam do solo ao lado das construções.
Estes são os primeiros sinais de Coober Pedy, uma cidade de mineradores de
opala com cerca de 2.500 habitantes. Muitos dos pequenos picos da região são resíduos de solo gerados após décadas de mineração, mas também são os sinais de outra
característica do local: as moradias subterrâneas.
Neste canto do mundo, 60% da população vive em casas construídas nas rochas
de arenito e siltito ricas em ferro da região. Em alguns locais, os únicos sinais de
moradia são os poços de ventilação que se erguem até o chão e o excesso de solo
acumulado perto das entradas das casas.
No inverno, este estilo de vida pode parecer apenas excêntrico. Mas, no verão,
Coober Pedy —"homem branco em um buraco", em tradução livre de uma expressão
aborígene australiana— não requer explicações: o local atinge 52°C, uma temperatura
tão alta que faz com que os pássaros caiam do céu e aparelhos eletrônicos precisem ser
guardados no refrigerador.
Enquanto a intensa onda de calor prossegue em algumas regiões, com
temperaturas que nem os cactos conseguem suportar, e incêndios florestais dizimam
grandes áreas do mundo, o que podemos aprender com os moradores de Coober Pedy?
Coober Pedy não é o primeiro, nem o maior assentamento subterrâneo do mundo. As
pessoas se refugiam embaixo da terra para enfrentar climas inóspitos há milhares de
anos — desde ancestrais dos humanos que deixaram suas ferramentas em uma caverna
na África do Sul dois milhões de anos atrás, até os neandertais que criaram pilhas
inexplicáveis de estalagmites em uma gruta na França na idade do gelo, 176 mil anos
atrás. Até os chimpanzés já foram observados refrescando-se em cavernas, para
enfrentar o extremo calor durante o dia no sudeste do Senegal.
Outro exemplo é a Capadócia, uma região antiga no centro da Turquia. Ela fica
em um planalto árido e é famosa pela sua notável geologia, quase utópica, e seu cenário
de cumes, chaminés e pináculos de rocha esculpidos, como em um reino de conto de
fadas.
E a história por trás desse cenário é realmente espetacular. Segundo a cultura
popular, tudo começou com o desaparecimento das galinhas de um de seus moradores.
Em 1963, um homem estava batendo no piso da sua casa para tentar descobrir por que
suas aves estavam desaparecendo. Ele logo percebeu que as galinhas estavam fugindo
por um buraco que ele havia aberto acidentalmente. O homem então abriu caminho e as
seguiu pelo buraco.
A partir dali, tudo começou a ficar ainda mais estranho. Ele descobriu uma
passagem secreta —um íngreme caminho subterrâneo que levava a um labirinto de
nichos e outros corredores. Era uma das muitas entradas para a cidade perdida de
Derinkuyu.
Derinkuyu é apenas uma das centenas de moradias em cavernas entre as diversas
cidades subterrâneas da região. Acredita-se que ela tenha sido construída perto do
século 8º a.C. A cidade foi habitada de forma quase constante por milênios, com seus
próprios poços de ventilação e de água, estábulos, igrejas, armazéns e uma ampla rede
de casas subterrâneas. E servia também de abrigo de emergência para até 20 mil
pessoas, em caso de invasão.
Como em Coober Pedy, as moradias subterrâneas ajudavam os habitantes da
região a enfrentar o clima continental, que alterna entre frios invernos com neve e
verões quentes e secos. No lado externo, a temperatura flutua de vários graus abaixo de
zero até mais de 30°C, enquanto, embaixo da terra, ela fica estável em 13°C.
Mesmo nos dias de hoje, as cavernas construídas por seres humanos na região
são famosas pelas suas capacidades de refrigeração passiva — uma técnica de
construção que envolve o uso de opções de design para reduzir o aumento e a perda de
calor sem o uso de energia.
As antigas galerias e passagens da Capadócia abrigam hoje milhares de
toneladas de batatas, limões, repolhos e outros produtos que precisariam ser refrigerados
se fossem armazenados em outros locais. A demanda popular cresceu tanto que novas
cavernas estão sendo construídas na região. (Texto adaptado. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/08/a-cidade-onde-as-pessoas-vivem-embaixo-da-terra-por-causa-do-calor.shtml