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Quem cuidará de você?
Em 2030, os idosos brasileiros serão, segundo o IBGE, quase tão numerosos quanto os jovens. Esta é uma notícia
positiva, pois estamos vivendo mais, e preocupante, pois não existe planejamento no atendimento adequado aos
cuidados, necessários que tal população exige – sejam médicos, domiciliares, de lazer, de alternativas profissionais.
O problema não é somente brasileiro. Os países desenvolvidos também estão diante de uma situação complicada,
só que muitos estão enfrentando o desafio há décadas. Alguns conseguiram um planejamento exitoso.
Em 2030, os EUA terão 72,1 milhões de adultos acima de 65 anos, mais que o dobro do número de idosos em
2005. Os americanos têm por regra poupar para chegar à terceira idade em condições de viver em lugares planejados, em
comunidade. Os que podem, planejam essa independência e assistência.
Na França, com grande número de idosos solitários, a ex-ministra do Trabalho Martine Aubry criou um programa
que capacitava jovens a serem visitadores de idosos. Eles realizavam compras, levavam os idosos para caminhar,
pegavam o metrô para levá-los à fisioterapia, a consultas.
No Brasil, os idosos têm aposentadoria. Porém, mais que tudo, contam com a família. Para falar a verdade, com as
mulheres da família. A filha solteira, a que larga o emprego para cuidar dos pais, a casada que abriga o idoso em sua
residência. E sempre houve uma ojeriza da família ou do próprio idoso a ir para uma casa de repouso. Isso está
mudando: mais pessoas envelhecem e a família não dá conta.
Um grande número de mulheres não querem ou não podem mais abdicar de suas profissões para cuidar dos pais.
Um enorme número que tinha como “natural” cuidar dos filhos e depois dos pais abriu mão desse programa por
necessidade ou por mudanças de expectativa de realizações femininas neste século.
A Constituição de 1988 fez avanços importantes, mas envelhecemos em plena fase de desenvolvimento, com um
país sendo construído em todas as áreas. A redução da pobreza extrema que tivemos é recente. Parte dos idosos são
chefes de família e não têm como pensar em si mesmos.
Quando o idoso não chefia a família, mas depende dela, enfrenta graves problemas. Quem tem um pouco mais de
poder aquisitivo não encontra bons cuidadores com facilidade. Falta qualificação. Quem procura casas de repouso
encontra, nas mais acessíveis, péssimos serviços.
Existem programas em andamento, mas precisamos acelerar soluções. Em particular, ações que façam frente ao
crescimento de demandas de saúde, previdência e assistência social. E, urgentemente, capacitar cuidadores. O jovem
Brasil envelhece rapidamente.
(Marta Suplicy, Folha de São Paulo, 23/07/2011)