A misteriosa caverna britânica com desenhos que intrigam historiadores há 3 séculos
O administrador da caverna, Nicky Paton, indicou para mim as figuras, uma a uma. “Aquela é Santa
Catarina, na roda de execução. […] “E aquele é São Lourenço. Ele foi queimado até a morte sobre uma
grelha.” Em meio a essas aterradoras cenas cristãs, havia também imagens pagãs - um grande cavalo
entalhado e um símbolo de fertilidade conhecido como sheela na gig - uma mulher com órgãos sexuais
exagerados. Outra imagem retratava uma pessoa segurando um crânio na mão direita e uma vela na
esquerda, teoricamente representando uma cerimônia de iniciação. […] E, para tornar os entalhes ainda
mais assustadores, havia sua execução rudimentar, quase infantil. Imagine qual terá sido a surpresa das
pessoas que redescobriram por acaso a caverna de Royston, no verão de 1742. Escavando as fundações
para uma nova bancada no mercado de manteiga da cidade, um trabalhador encontrou uma pedra de
moinho enterrada e descobriu que ela escondia a entrada de um poço profundo na terra. Como ainda
não havia normas de saúde e segurança, um garoto que passava recebeu rapidamente uma vela e foi
baixado ao poço em uma corda para investigar. […] O que se descobriu no poço foi menos lucrativo,
mas muito mais misterioso: uma xícara quebrada e algumas joias, um crânio, ossos humanos e paredes
gravadas, de cima a baixo, com estranhas figuras sem expressão facial. Três séculos depois, a caverna
de Royston continua sendo um dos lugares mais misteriosos do Reino Unido. Cada vez surgem mais
teorias sobre o seu propósito, sem sequer chegar perto de uma resposta.
O mistério das origens
“O que torna a caverna tão curiosa para os visitantes e historiadores é que ela ainda é um enigma” […]
afirma Paton. “Principalmente porque não existe documentação sobre a sua existência antes daquela
descoberta acidental. […] Mas existem muitas teorias. Pessoas com tendências esotéricas afirmam que
a caverna fica na interseção de duas linhas de ley - caminhos antigos que, segundo se acredita, conectam
lugares com poder espiritual. Uma dessas linhas, a chamada Linha de Michael, também atravessa os
círculos de pedra de Stonehenge e Avebury. O que se pode verificar com mais facilidade é que a
caverna fica exatamente abaixo do entroncamento de duas estradas antigas muito importantes. […]
Hoje, uma grande lápide é tudo o que resta de uma cruz que ficava na junção das duas estradas. […] O
antiquário William Stukeley […] escreveu um estudo inicial sobre o seu propósito. Ele observou que
essas cruzes [...] tinham dois propósitos naquela era de alta religiosidade e baixos índices de
alfabetização: “relembrar as pessoas de fazer suas orações e guiá-las para o caminho a que elas queriam
ir”. As pessoas religiosas, segundo ele, construíam “celas e grutas em rochas, cavernas e ao lado das
estradas” […]. Existe na caverna um grande entalhe ilustrando São Cristóvão, o santo padroeiro dos
viajantes, o que dá credibilidade à teoria de que a caverna servia a este tipo de função. Mas a teoria que
capturou a imaginação do público, mais do que qualquer outra, é que a caverna de Royston foi um
esconderijo subterrâneo dos cavaleiros templários - […] ordem de monges guerreiros que acumulou
vasta riqueza e influência em toda a Europa, até ser violentamente eliminada em 1307. Os templários
fundaram a cidade próxima de Baldock nos anos 1140 e existem documentos que comprovam que eles
faziam comércio semanalmente no mercado de manteiga de Royston entre 1149 e 1254. A historiadora
local Sylvia Beamon acredita que [...] “Uma capela templária provavelmente se tornou uma
necessidade maior do que qualquer outra coisa […] “Ela fornecia um refúgio noturno para os
comerciantes templários e... um armazém para os produtos do mercado.”
Como datar as gravuras?
Beamon interpreta o formato circular da caverna como referência à Igreja do Santo Sepulcro em
Jerusalém e sugeriu que os entalhes contêm símbolos da arte templária […]. Embora se acredite que a caverna tenha sido pintada com cores brilhantes, muito pouco pigmento ainda permanece […]. Não
existe outro material orgânico na caverna que possa ser datado. Os restos humanos […] foram perdidos
há muito tempo. De forma que a maneira mais confiável de datar os entalhes é um exame estilístico,
que foi conduzido em 2012 pelo Museu Real de Armas de Leeds, no Reino Unido. A análise concluiu
que as roupas curtas dos homens e os penteados e chapéus das mulheres indicam uma época entre 1360
e 1390 e a imagem de São Cristóvão foi datada da mesma época. O relatório concluiu ser improvável
que algum dos entalhes tenha sido feito antes de cerca de 1350 - um século depois da atividade dos
templários em Royston […]. Além disso, os entalhes apresentam iconografia cristã, sem o simbolismo
tipicamente associado aos templários […]. Os cavaleiros templários eram conhecidos pela construção
de igrejas redondas, mas a forma circular da caverna não é necessariamente uma ligação com os
templários. […] Nem a presença de símbolos pagãos, como a sheela na gig, é tão misteriosa. A mesma
imagem aparece em igrejas medievais no Reino Unido e no continente europeu. Então, por que essa
suposta conexão com os templários? [...] “O risco é que as pessoas tenham tentado contar histórias
desde o primeiro dia” […] afirma Tobit Curteis, responsável pela conservação da caverna. [...] A
professora Helen Nicholson, historiadora medieval […] concorda. “As pessoas na Inglaterra são
fascinadas pelos templários desde que eles foram proibidos, no século 14”, afirma ela. Os julgamentos
dos templários incluíram acusações de que eles conduziam cerimônias ocultas em lugares secretos
subterrâneos. “Na verdade, são histórias de terror góticas”, segundo Nicholson. [...]
'Incrivelmente especial'
O fascínio real da caverna, segundo Curteis, é sua sobrevivência e redescoberta. “Nós perdemos 99%
das outras obras de arte daquele período, de forma que a caverna é incrivelmente especial”, afirma ele.
[...] Alguém, provavelmente em meados ou no final dos anos 1300, fez aquelas inscrições e a mais
impressionante delas - a figura que segura um crânio em uma mão e uma vela na outra - permanece
sem explicação. Poderíamos facilmente reduzi-la a um grafite mistificador acrescentado pouco depois
da descoberta da caverna para atrair turistas, não fosse pela forma como ela se harmoniza com o crânio
humano, a cerâmica cerimonial e as joias também encontradas no local. Em uma era em que a maioria
dos mistérios é resolvida, a caverna de Royston continua a trazer mais perguntas do que respostas. Isso
inclui a questão mais fascinante de todas: o que mais permanece abaixo dos nossos pés, esperando para
ser encontrado?
BBC News