Questões de Concurso
Sobre crase em português
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O tal movimento antivacina
A polêmica
Numa época em que se tornaram rotina os debates acalorados e polarizados em redes sociais, o tema vacinação tem ganhado cada vez mais destaque no Brasil, principalmente após a recente decisão do Ministério da Saúde de prorrogar a campanha contra a influenza, devido à baixa adesão.
Chama atenção o perfil das pessoas que estão optando por não se vacinar ou por não vacinar seus filhos: a maioria tem ensino superior completo, se considera bem informada sobre assuntos relacionados à saúde, e acredita que boas condições sanitárias e alimentares a protege suficientemente das doenças infecciosas.
O Conselho Federal de Medicina (Brasil), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (EUA),e a Organização Mundial de Saúde são algumas das organizações que emitiram comunicados se posicionando contra movimentos antivacina e alertando sobre potenciais consequências de baixas coberturas vacinais.
Quem decide não se vacinar usa como argumento o princípio bioético da autonomia, pelo qual as pessoas têm o direito de decidir (e de terem suas escolhas respeitadas) sobre questões relacionadas a seus corpos e suas vidas. O contraponto dos representantes da área da saúde é o de que uma escolha individual não poderia implicar num dano coletivo, uma vez que a baixa cobertura vacinal compromete o efeito chamado de imunidade de grupo: quando a vacinação em massa de uma comunidade interrompe a cadeia do processo infeccioso, protegendo inclusive quem não foi ou não pode ser vacinado.
É relevante lembrar que nem toda vacina provoca imunidade de grupo, há várias com efeitos apenas individuais, dentre elas a do tétano, coqueluche, difteria e raiva. Cabe ressaltar também a importância de analisar todos os aspectos envolvidos em cada surto de doença infecciosa imunoprevenível: campanhas vacinais que não contemplam adequadamente populações marginalizadas e vulneráveis, bem como o efeito de vacinas que não se sustenta ao longo dos anos estão relacionados a vários dos surtos recentes.
[...]
Teorias da conspiração
O famoso estudo publicado na revista Science, que concluía que o aumento dos casos de autismo tinha relação com vacinação – e que é exaustivamente citado em sites – não se mostrou verdadeiro. Bem como, até o momento, não há comprovação científica de métodos fitoterápicos ou homeopáticos com resposta imunológica protetora que substitua a vacinal.
Como qualquer intervenção medicamentosa, vacinas não são 100% seguras nem 100% eficazes. Toda ação em saúde deve ser pautada pelos princípios da beneficência e da não maleficência, de modo a maximizar o benefício e minimizar o dano de uma intervenção. É essencial que seja socialmente acordado quando e como serão tolerados os danos objetivando um determinado benefício, e que esses acordos sociais sejam repactuados ao longo dos anos.
Numa conjuntura em que já presenciamos sucessivos exemplos de grandes corporações cometendo crimes motivadas por lucro, bem como de práticas controversas de governos visando o controle de seus cidadãos, é compreensível e até positivo que intervenções populacionais em saúde suscitem questionamentos e sofram de falta de legitimidade.
O que devemos exigir como cidadãos é uma vacinação ética: baseada em pesquisas científicas que não supradimensionem eficácia, fiscalizada por um sistema de vigilância farmacológica que não permita a subnotificação de efeitos adversos, e com transparência na divulgação de políticas sobre autorização, compra e inclusão de vacinas em calendários nacionais.
DUQUE, Mariana. “O tal movimento antivacina”. In: Revista
Fórum. 4 jul 2017. Disponível em: <https://www.revistaforum.
com.br/o-tal-movimento-antivacina/>. Acesso em: 9 nov. 2018
(Adaptação).
Releia o segundo parágrafo do texto, disponível a seguir.
“Chama atenção o perfil das pessoas que estão optando por não se vacinar ou por não vacinar seus filhos: a maioria tem ensino superior completo, se considera bem informada sobre assuntos relacionados à saúde, e acredita que boas condições sanitárias e alimentares a protege suficientemente das doenças infecciosas.”
Em relação à norma-padrão da língua portuguesa, é correto afirmar:
FECHADO APÓS SER ATINGIDO POR ÓLEO,
PARQUE DE ABROLHOS É REABERTO
Suspensão preventiva das visitas entrou em vigor na segunda-feira (4)
[...]
Disponível em https://exame.abril.com.br/brasil/fechado-apos-ser-atingido-por-oleo-parque-de-abrolhos-e-reaberto/
Acessado em 11 de novembro de 2019
Texto adaptado
Texto 1 para responder à questão.
Como a prisão muda a personalidade de detentos
Passeio à infância
Primeiro vamos lá embaixo no córrego; pegamos dois pequenos carás dourados. E como faz calor, veja, os lagostins saem da toca. Quer ir de batelão, na ilha, comer ingá? Ou vamos ficar bestando nessa areia onde o sol dourado atravessa a água rasa? Não catemos pedrinhas redondas para a atiradeira, porque é urgente subir no morro; os sanhaços estão bicando os cajus maduros. É janeiro, grande mês de janeiro!
Podemos cortar folhas de pita, ir para o outro lado do morro e descer escorregando no capim até a beira do açude. Com dois paus de pita, faremos uma balsa, e, como o carnaval é no mês que vem, vamos apanhar tabatinga para fazer fôrmas de máscaras. Ou então vamos jogar bola-preta: do outro lado do jardim tem pé de saboneteira. Se quiser, vamos. Converta-se, bela mulher estranha, numa simples menina de pernas magras e vamos passear nessa infância de uma terra longe. É verdade que jamais comeu angu de fundo de panela?
Bem pouca coisa eu sei: mas tudo que sei lhe ensino. Estaremos debaixo da goiabeira; eu cortarei uma forquilha com o canivete. Mas não consigo imaginá-la assim; talvez se na praia ainda houver pitangueiras... Havia pitangueiras na praia? Tenho uma ideia vaga de pitangueiras junto à praia. Iremos catar conchas cor-de-rosa e búzios crespos, ou armar o alçapão junto do brejo para pegar papa-capim. Quer? Agora devem ser três horas da tarde, as galinhas lá fora estão cacarejando de sono, você gosta de fruta-pão amassada com manteiga? Eu lhe dou aipim ainda quente com melado. Talvez você fosse como aquela menina rica, de fora, que achou horroroso o nosso pobre doce de abóbora e coco.
Mas eu a levarei para a beira do ribeirão, na sombra fria do bambual; ali pescarei piaus. Há rolinhas. Ou então ir descendo o rio numa canoa bem devagar e de repente dar um galope na correnteza, passando rente às pedras, como se a canoa fosse um cavalo solto. Ou nadar mar afora até não poder mais e depois virar e ficar olhando as nuvens brancas. Bem pouca coisa eu sei; os outros meninos riram de mim porque cortei uma iba de assa-peixe. Lembro-me que vi o ladrão morrer afogado com os soldados de canoa dando tiros, e havia uma mulher do outro lado do rio gritando.
Mas como eu poderia, mulher estranha, convertê-la em menina para subir comigo pela capoeira? Uma vez vi uma urutu junto de um tronco queimado; e me lembro de muitas meninas. Tinha uma que era para mim uma adoração. Ah, paixão de infância, paixão que não amarga. Assim eu queria gostar de você, mulher estranha que ora venho conhecer, homem maduro. Homem maduro, ido e vivido; mas quando a olhei, você estava distraída, meus olhos eram outra vez os encantados olhos daquele menino feio do segundo ano primário que quase não tinha coragem de olhar a menina um pouco mais alta da ponta direita do banco.
Adoração de infância. Ao menos você conhece um passarinho chamado saíra? É um passarinho miúdo: imagine uma saíra grande que de súbito aparecesse a um menino que só tivesse visto coleiros e curiós, ou pobres cambaxirras. Imagine um arco-íris visto na mais remota infância, sobre os morros e o rio. O menino da roça que pela primeira vez vê as algas do mar se balançando sob a onda clara, junto da pedra.
Ardente da mais pura paixão de beleza é a adoração de infância. Na minha adolescência você seria uma tortura. Quero levá-la para a meninice. Bem pouca coisa eu sei; uma vez na fazenda riram: ele não sabe nem passar um barbicacho! Mas o que eu sei lhe ensino; são pequenas coisas de mato e de água, são humildes coisas, e você é tão bela e estranha! Inutilmente tento convertê-la em menina de pernas magras, o joelho ralado, um pouco de lama seca do brejo no meio dos dedos dos pés.
Linda como a areia que a onda ondeou. Saíra grande! Na adolescência me torturaria; mas sou um homem maduro. Ainda assim às vezes é como um bando de sanhaços bicando cajus de meu cajueiro, um cardume de peixes dourados avançando, saltando ao sol, na piracema; um bambual com sombra fria, onde ouvi silvo de cobra, e eu quisera tanto dormir. Tanto dormir! Preciso de um sossego na beira do rio, com remanso, com cigarras. Mas você é como se houvesse demasiadas cigarras cantando numa pobre tarde de homem.
(BRAGA, Rubem. 50 crônicas escolhidas – 3ª edição – Rio de Janeiro: BestBolso, 2011.)
No excerto apresentado, o acento grave, indicativo de crase, foi empregado por qual razão?
O faraó da intolerância
Individualmente, quase todos temos nossos faraós. Pode ser um chefe
abusivo, um trabalho massacrante, uma relação mal resolvida
ou uma dívida impagável.
Até hoje, os judeus estão celebrando a festa de Pessach e relembrando os épicos acontecimentos que resultaram no Êxodo do Egito. Apesar de terem ocorrido há mais de 3.500 anos, manda a tradição judaica que devemos nos lembrar dos tempos de escravidão como se nós mesmos tivéssemos sido libertados.
Um costume nesta época é cada um perguntar-se: qual é o meu faraó? Ao fazermos esta reflexão, buscamos identificar quem ou o que está nos mantendo presos e estagnados e nos impedindo de avançar e progredir.
Individualmente, quase todos temos nossos faraós. Pode ser um chefe abusivo, um trabalho massacrante, uma relação mal resolvida ou uma dívida impagável. A dependência de drogas e do álcool e o medo do sucesso e do fracasso também nos mantêm cativos. Coletivamente, empresas, comunidades e sociedades inteiras podem igualmente estar sob jugo de faraós que não os deixam alcançar seu potencial.
Atualmente, os brasileiros são vítimas de um déspota mais cruel que o próprio Ramsés, o faraó da intolerância. Éramos livres e, aos poucos, tornamo-nos seus escravos. Deixamos que ele ditasse a forma como nos relacionamos com pessoas de diferentes etnias, religiões, orientações e posições políticas.
Nós, judeus, sabemos bem aonde a intolerância pode levar uma sociedade. Fomos e continuamos a ser uma de suas maiores vítimas e estaremos sempre engajados no seu combate. É perturbador notar como ela passa a dominar as emoções, palavras e ações de pessoas à nossa volta. É triste ver como ela impede a união de que o Brasil tanto precisa para vencer seus imensos desafios.
Estamos vivendo no cativeiro da intolerância. Precisamos nos libertar. Assim como fez Moisés em Êxodo 9-1, chegou a hora de encararmos esse faraó de frente e exigir: “Deixe meu povo ir!”
Esta não será uma luta fácil, nem rápida. O faraó da intolerância fará de tudo para nos manter sob seu domínio. Como os hebreus no Egito, temos de perseverar. Uma, duas, dez vezes se necessário, vamos mostrar a ele nossa determinação de voltar a ser o que sempre fomos: um povo gentil, cordial e, acima de tudo, tolerante.
(Paulo Maltz. Disponível em: http://oglobo.globo.com/opiniao/o-farao-da-intolerancia-19200936#ixzz47PW1LYXI.)
Para que serve a poesia?
[...] Neste tempo de destituição e mesmo de destruição de toda e qualquer alteridade, neste tempo que poderia ter no pau de selfie um de seus símbolos, neste tempo que, mais séria, pertinente e responsavelmente, está sendo chamado de tempo do antropoceno, a poesia é, desde sempre e ainda agora, dentre outras possibilidades, uma abertura à alteridade. Quer saber quem é o outro, quer se abrir ao outro, quer se misturar ao outro, quem quer que seja esse outro (mesmo que o outro em nós mesmos), leia a poesia. Há certamente uma pedagogia poética, uma política poética, ainda que instáveis, indeterminadas e dificilmente detectáveis. [...]
Que a impotência da poesia (o fato de ela estar fora do mercado, fora do egocentrismo, fora do antropocentrismo, fora de todo absoluto, fora do hegemônico) deixe alguma de sua potência comparecer, questionando os poderes totalitários, alterando nossas vidas ou nos dando elementos para transformações, que ela nos ofereça, mesmo que instável e microscopicamente, o que pode oferecer, mesmo que sejamos movidos sem compreender muito dessa força. E, sobretudo, que a poesia — e/ou as apresentações da poesia — nos afete; que este seja, preferencialmente, um espaço que deseja se deixar e nos deixar afetados pela poesia. [...]
Da poesia, Barthes já disse “Poesia = prática da sutileza num mundo bárbaro. Daí a necessidade de lutar hoje pela poesia: a poesia deveria fazer parte dos ‘Direitos do Homem’; ela não é ‘decadente’, ela é subversiva: subversiva e vital”. Lutar pela poesia para se submeter e submeter quem quer que seja a seus cuidados sutis, subversivos, vitais.
Se há algo que a minha vida me mostrou desde há muito, como talvez nenhuma outra de minhas experiências, é que, onde há poesia, a dose de saúde é maior, ou, dizendo de outra maneira, que a poesia é um receptáculo de intensidades, um arquivo de intensidades, uma disponibilidade de intensidades que em algum lugar se encontram com as nossas, ditas e caladas, esforçando-se ao máximo em criar em nós subjetividades mais porosas.
(Por Alberto Pucheu. Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/ 2016/09/para-que-serve-a-poesia/. Adaptado.)
Assinale a alternativa que completa correta e respectivamente as lacunas das seguintes orações:
I. Vamos___ praia no próximo final de semana.
II. ____ partir de hoje, todos comerão juntos.
III. Comprei um ingresso para ____ corrida de domingo.
IV. Nós sairemos ____ cinco horas para o evento.
Texto 4 para responder à questão.
FAO pede que alimentação nutritiva seja incorporada a políticas de planejamento urbano
Disponível em: <http://www.cfn.org.br>
“Esta forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele.”
Em relação aos acentos indicativos de crase, analise as afirmativas a seguir.
I. Na primeira ocorrência, o acento indica a contração da preposição “a” com o artigo determinado “a”. II. Na segunda ocorrência, o seu uso é obrigatório. III. Em ambas as ocorrências, o acento é regido pelo verbo imediatamente anterior à sua ocorrência.
Estão corretas as afirmativas:
Além das palavras
Pesquisadores da USP elaboraram lista de gestos, posturas e outras pistas visuais que podem auxiliar
o médico na avaliação dos pacientes e diagnóstico da depressão.
No consultório psiquiátrico, apenas uma parte das informações é verbalizada pelos pacientes. Outra tem a ver com o olhar do médico: uma avaliação de gestos, posturas e outros sinais que podem ajudar a compreender o estado de saúde mental em que uma pessoa se encontra. Uma proposta de sistematização desse ‘olho clínico’ foi apresentada por pesquisadores do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), que elaboraram um checklist de posturas, gestos e expressões típicos de pacientes com depressão.
O estudo foi realizado no Hospital das Clínicas e no Hospital Universitário, ambos ligados à USP, sob a supervisão da farmacologista Clarice Gorenstein. Em vez de seguirem apenas o protocolo corrente de diagnóstico de depressão, baseado em perguntas e respostas, avaliadores preencheram um formulário detalhado sobre as expressões faciais e corporais dos pacientes durante entrevistas clínicas. As entrevistas também foram filmadas, para análise objetiva do comportamento dos pacientes.
“Elaboramos uma lista de comportamentos corporais favoráveis ou não ao contato social para analisar os pacientes, além de fazer as perguntas padrão”, relata a pesquisadora e psicóloga Juliana Teixeira Fiquer, que realizou seu pós-doutorado com o estudo. “Sinais como inclinar o corpo para frente na direção do entrevistador, ou encolher os ombros, fazer movimentos afirmativos ou negativos com a cabeça, fazer contato ocular ou não, rir ou chorar são alguns dos 22 comportamentos que selecionamos”, exemplifica. [...]
Fiquer contou à CH Online que todos os pacientes do grupo com depressão tiveram melhora nos parâmetros sugestivos de contato social. “Os pacientes mostraram, após o período de tratamento, um aumento no contato ocular com o entrevistador, além de sorrir mais e demonstrar avanços em relação a outros comportamentos sugestivos de interesse social”, relata.
“Queremos criar um método científico que considere aquilo que até então é colocado no território das impressões no diagnóstico da depressão.”
Para a pesquisadora, o trabalho representa um passo importante na sinalização de que informações emocionais relevantes são transmitidas no contato interpessoal entre clínico e paciente, que até então eram atribuídas exclusivamente à subjetividade do médico na hora de fazer o diagnóstico. “Queremos criar um método científico que considere aquilo que até então é colocado no território das impressões no diagnóstico da depressão”, conta.
O psiquiatra e psicanalista Elie Cheniaux, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sugere que a linguagem não verbal é uma ferramenta importante para mensurar a tristeza, que é um dos componentes da depressão, mas não a única. “A linguagem não verbal não dá uma visão global do quadro do paciente”, argumenta.
(João Paulo Rossini, 06/04/2016, Instituto Ciência Hoje/RJ. Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2016/04/alem-das-palavras.)
De acordo com o emprego do sinal grave indicador de crase, analise os segmentos destacados a seguir.
I. “ambos ligados à USP” (2º§)
II. “Fiquer contou à CH Online” (4º§)
III. “exclusivamente à subjetividade” (6º§)
Acerca de tal emprego é correto afirmar que
O faraó da intolerância
Individualmente, quase todos temos nossos faraós. Pode ser um chefe abusivo, um trabalho massacrante, uma relação mal resolvida ou uma dívida impagável.
Até hoje, os judeus estão celebrando a festa de Pessach e relembrando os épicos acontecimentos que resultaram no Êxodo do Egito. Apesar de terem ocorrido há mais de 3.500 anos, manda a tradição judaica que devemos nos lembrar dos tempos de escravidão como se nós mesmos tivéssemos sido libertados.
Um costume nesta época é cada um perguntar-se: qual é o meu faraó? Ao fazermos esta reflexão, buscamos identificar quem ou o que está nos mantendo presos e estagnados e nos impedindo de avançar e progredir.
Individualmente, quase todos temos nossos faraós. Pode ser um chefe abusivo, um trabalho massacrante, uma relação mal resolvida ou uma dívida impagável. A dependência de drogas e do álcool e o medo do sucesso e do fracasso também nos mantêm cativos. Coletivamente, empresas, comunidades e sociedades inteiras podem igualmente estar sob jugo de faraós que não os deixam alcançar seu potencial.
Atualmente, os brasileiros são vítimas de um déspota mais cruel que o próprio Ramsés, o faraó da intolerância. Éramos livres e, aos poucos, tornamo-nos seus escravos. Deixamos que ele ditasse a forma como nos relacionamos com pessoas de diferentes etnias, religiões, orientações e posições políticas.
Nós, judeus, sabemos bem aonde a intolerância pode levar uma sociedade. Fomos e continuamos a ser uma de suas maiores vítimas e estaremos sempre engajados no seu combate. É perturbador notar como ela passa a dominar as emoções, palavras e ações de pessoas à nossa volta. É triste ver como ela impede a união de que o Brasil tanto precisa para vencer seus imensos desafios.
Estamos vivendo no cativeiro da intolerância. Precisamos nos libertar. Assim como fez Moisés em Êxodo 9-1, chegou a hora de encararmos esse faraó de frente e exigir: “Deixe meu povo ir!”
Esta não será uma luta fácil, nem rápida. O faraó da intolerância fará de tudo para nos manter sob seu domínio. Como os hebreus no Egito, temos de perseverar. Uma, duas, dez vezes se necessário, vamos mostrar a ele nossa determinação de voltar a ser o que sempre fomos: um povo gentil, cordial e, acima de tudo, tolerante.
(Paulo Maltz. Disponível em: http://oglobo.globo.com/opiniao/o-farao-da-intolerancia-19200936#ixzz47PW1LYXI.)
Paciência de Jó
Nesses tempos modernos, andamos muito impacientes.
Durante os anos que passei fora do Brasil, comunicava-me por cartas. Toda noite, sentava na minha escrivaninha e colocava a correspondência em dia. Ia até altas horas respondendo uma a uma, aquelas cartas que chegavam em envelopes verde-amarelos.
Depois de colocada no correio, uma carta levava de sete a dez dias pra chegar ao Brasil. Se a pessoa respondesse na hora, eram mais sete a dez dias pra chegar até Paris. E eu esperava, pacientemente.
Todo dia, acordava de madrugada para ir trabalhar. Meu trabalho era preparar o café da manhã para um batalhão de estudantes num restaurante universitário. Quando voltava pra casa, a primeira coisa que fazia era bater os olhos na caixa de cartas que ficava na portaria do meu prédio. Ela tinha quatro furos na parte inferior e, de longe, já dava pra enxergar se haviam chegado envelopes verde-amarelos.
Era um tempo em que não havia internet, não havia Skype, não havia WhatsApp, e-mail e um telefonema DDD custava os olhos da cara.
Lembro-me bem que quando o meu primeiro filho nasceu, poucas horas depois dei a primeira clicada no seu rostinho com uma Pentax Trip 33. Levei o filme pra revelar numa loja que ficava na Rue Soufflot e esperei cinco dias úteis para que as fotos ficassem prontas.
Fotografias na mão, coloquei dentro de um envelope pardo e despachei, pelo correio, pros meus pais, em Belo Horizonte. Quando eles abriram e viram o Julião pela primeira vez, o menino já tinha mais de vinte dias. Eles esperaram pacientemente a hora de ver a carinha do neto francês, uma grande novidade na família.
O meu pai vivia dizendo que, para levar a vida, era preciso ter uma paciência de Jó. Um dia, fui lá na Bíblia da minha mãe saber quem era o tal Jó.
Fiquei sabendo que, além de ser o mais paciente da turma, Jó tinha sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de boi e quinhentas jumentas. Imagine que só pra contar essa bicharada, é preciso mesmo ter uma paciência de Jó.
Ninguém tem mais paciência pra nada nesses tempos modernos. Se nos anos 70 eu esperava vinte dias a resposta de uma carta, hoje, se alguém não me responde um e-mail em segundos, já começo a perder a paciência.
Aqui em casa, a nossa empregada coloca qualquer coisa 30 segundos no micro-ondas, e fica lá com a mão na porta, impaciente, contando nos dedos a hora de apitar.
No elevador do meu prédio, os moradores apertam o botão, a luzinha acende mas, mesmo assim, eles voltam lá umas três vezes e apertam de novo, impacientes.
Sem contar o carro de trás que sempre buzina assim que o sinal fica verde, o motorista que começa a acelerar quando percebe que já passaram os minutos e que o sinal já vai sair do vermelho e aquele que passa na sua frente e enfia o carro na vaga do shopping porque não tem paciência de ficar procurando um lugar pra estacionar.
Isso, sem contar que, no restaurante, quando alguém pede uma coca ao garçom e ele demora mais de um minuto, a gente sempre ouve um... “acho que ele esqueceu!”
Sinto que muitas pessoas não têm mais paciência pra ler um texto com mais de cinco linhas. Se você chegou até aqui, considero uma vitória!
Já percebeu que ninguém tem mais paciência de sentar-se na poltrona para ouvir música, pra procurar as três Marias no céu, pra plantar um grão de feijão no algodão e esperar ele crescer. Ninguém tem saco nem mesmo pra jogar paciência.
Já se foi o tempo em que tínhamos paciência até para decorar latim. Quem não se lembra do famoso Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia mostra? Que, em bom português, quer dizer Até quando abusarás, Catilina, da nossa paciência?
(Alberto Villas. Carta Capital, 24 de abril de 2016.)
Nossa cultura conferiu valor absoluto ao espírito científico
A nossa cultura, a partir do chamado Século das Luzes (1715-1789), aplicou de forma rigorosa a compreensão de René Descartes (1596-1650) de que o ser humano é “senhor e mestre” da natureza, podendo dispor dela ao seu bel-prazer. Conferiu um valor absoluto à razão e ao espírito científico.
Com isso, se fecharam muitas janelas do espírito que permitem também um conhecimento, sem necessariamente passar pelos cânones racionais. O que mais foi marginalizado e até difamado foi o coração, órgão da sensibilidade e do universo das emoções, sob o pretexto de que ele atrapalharia “as ideias claras e distintas” (Descartes) do olhar científico. Assim surgiu um saber sem coração, mas funcional ao projeto da modernidade, que era – e continua sendo – o de fazer do saber um poder como forma de dominação da natureza, dos povos e das culturas.
Curiosamente, toda a epistemologia moderna, que incorpora a mecânica quântica, a nova antropologia, a filosofia fenomenológica e a psicologia analítica, tem mostrado que todo conhecimento vem impregnado das emoções do sujeito e que sujeito e objeto estão indissoluvelmente vinculados, às vezes por interesses escusos (J. Habermas).
Foi a partir de tais constatações e com a experiência desapiedada das guerras modernas que se pensou no resgate do coração. Finalmente, é nele que reside o amor, a simpatia, a compaixão, o sentido de respeito, base da dignidade humana e dos direitos inalienáveis.
Isso que nos parece novo e uma conquista – os direitos do coração – era o eixo da grandiosa cultura maia na América Central, particularmente na Guatemala. Como não passaram pela circuncisão da razão moderna, guardaram fielmente suas tradições, que provêm dos avós, ao largo das gerações.
Participei várias vezes de celebrações maias, sempre ao redor do fogo. Começam invocando o coração dos ventos, das montanhas, das águas, das árvores e dos ancestrais. Fazem suas invocações no meio de um incenso nativo perfumado e produtor de muita fumaça.
Ouvindo-os falar das energias da natureza e do universo, parecia-me que sua cosmovisão era muito afim, guardadas as diferenças de linguagem, da física quântica. Tudo para eles é energia e movimento entre a formação e a desintegração que conferem dinamismo ao universo. Eram exímios matemáticos e haviam inventado o número zero. Seus cálculos do curso das estrelas se aproximam em muito aos que alcançamos com os modernos telescópios.
Dizem que tudo o que existe nasceu do encontro amoroso de dois corações, o do céu e o da Terra, que é um ser vivo que sente, intui, vibra e inspira os seres humanos. Estes são os “filhos ilustres, indagadores e buscadores da existência”, afirmações que nos lembram Martin Heidegger.
A essência do ser humano é o coração, que deve ser cuidado para ser afável, compreensivo e amoroso. Toda a educação que se prolonga ao largo da vida é para cultivar a dimensão do coração. Os irmãos de La Salle mantêm, na capital guatemalteca, um imenso colégio, onde jovens maias vivem na forma de internato bilíngue, no qual se recupera e sistematiza a cosmovisão maia, ao mesmo tempo em que assimilam e combinam saberes ancestrais com os modernos saberes, especialmente os ligados à agricultura e a relações respeitosas com a natureza.
Apraz-me concluir com um texto que uma mulher sábia me repassou no fim de um encontro com indígenas maias. “Quando tens que escolher entre dois caminhos, pergunta-te qual deles tem coração. Quem escolhe o caminho do coração, jamais se equivocará.” (Popol Vuh)
(Leonardo Boff. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/leonardo-boff/nossa-cultura-conferiu-valor-absoluto-aoesp%C3%ADrito-cient%C3%ADfico-1.1238115. Acesso em: 19/05/2016.)
O caminho a seguir
Como é inútil o exercício de dourar a pílula, convém enfrentar a realidade: os desafios do Brasil para 2017 são imensos. O país precisa voltar a crescer para elevar o padrão de vida material do seu povo e explorar nossa energia criadora em sua plenitude. Precisa aprovar as reformas estruturais para modernizar-se e competir com qualidade no mundo globalizado. Precisa civilizar a vida política, estabelecendo um padrão ético aceitável, e superar as feridas de uma profunda divisão de ideologia e método. Precisa, enfim, reencontrar o caminho da estabilidade institucional, arranhada nos últimos tempos.
Nada disso é fácil, mas há dois aspectos que autorizam os brasileiros a nutrir certo otimismo: o Brasil tem um potencial tão vasto, mas tão vasto que às vezes até gera efeitos prejudiciais à medida que nos permite relaxar, adiar, procrastinar tarefas que todos sabemos essenciais. Mas o potencial está aí, pujante, latente, só parcialmente aproveitado. Está na esplêndida diversidade étnica do Brasil, talvez o único país de dimensões continentais com tamanha capacidade para absorver e assimilar tudo e todos, eliminando diferenças com naturalidade. O Brasil, nunca é irrelevante lembrar, fala a mesma língua, com variações que acrescentam graça em vez de incompreensão. Comunga de valores muito semelhantes, não importam a região de procedência, a cor da pele, o gênero, a religião. Tudo isso – somado à tradição pacifista que cancelou conflitos regionais há séculos e à possibilidade de alçar-se à condição de uma potência ecológica –, tudo isso, repita-se, empresta ao Brasil uma notável originalidade a ser explorada.
Para que todo esse potencial seja posto em movimento, é preciso mais tolerância com as divergências, honestidade de princípios, disposição para o trabalho e, em grande medida, clareza sobre nossa missão como nação: a missão de construir um país livre da pobreza abjeta e da desigualdade obscena e pleno de justiça e oportunidades – um país, enfim, que possa oferecer a todos os seus cidadãos a possibilidade de ter uma vida feliz. [...]
(Carta do Editor. Veja, 28 de dezembro de 2016.)
Da repressão à ética: o que está por detrás
dos saques no Espírito Santo
Há pouco mais de uma semana, policiais militares que reivindicam melhores salários se amotinaram no Espírito Santo, gerando um caos generalizado no estado. A convulsão social provocou a escalada da violência, que resultou em mais de 120 mortes e em uma onda de saques. Para analistas entrevistados pela Gazeta do Povo, apesar de a dimensão do policiamento ostensivo ser enorme, esse fator, por si só, não dá conta de explicar o fenômeno: os aspectos ético e político também têm um peso decisivo neste contexto.
Os especialistas em segurança pública apontam que a maioria das pessoas que participou dos saques o fez por “senso de oportunidade”, ou seja, por sentir que elas não seriam punidas, por causa da falta de policiamento. Boa parte delas pertence à classe média e, portanto, nem sequer “precisaria” dos bens que estava furtando.
“Se você for ver os vídeos, vai ver que os saques envolvem ‘não-criminosos’ habituais, que cometem os crimes pela facilidade que encontram, o que configura uma situação muito grave”, avalia o sociólogo Luís Flávio Sapori, coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública da PUC-Minas.
“A prevenção policial corresponde a 80% da segurança que o Estado pode exercer. Ter o policial nas ruas é essencial à manutenção da segurança e o Espírito Santo compra isso”, afirma o ex-comandante da Polícia Militar (PM) de São Paulo, coronel Rui César Melo.
Valores e política
O professor Rodrigo Alvarenga, pesquisador do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, no entanto, aponta outras dimensões. Para o docente, a onda de saques está atrelada ao “esvaziamento de valores sociais e morais”, que está relacionado à crise e à degradação da própria sociedade. Ele vê relação direta entre o fenômeno e os últimos acontecimentos políticos, que sugerem uma fragilidade da democracia.
“Vivemos um momento em que as leis não são obedecidas em diversos setores, inclusive na política. Isso se torna claro à população. Diante deste cenário, o cidadão se pergunta se vale a pena continuar seguindo uma série de valores éticos, que deveriam sustentar a sociedade. É o que o leva a, por exemplo, participar dos saques”, analisa Alvarenga.
O filósofo aponta que isso indica que os cidadãos não veem a sociedade como legítima. Neste sentido, ele duvida da eficiência dos aparelhos de repressão, como o policiamento ostensivo. Para ele, a questão ultrapassa a dimensão da segurança.
“Para obedecer determinada norma, a pessoa precisa reconhecer a legitimidade daquilo. No Brasil, as pessoas tendem a obedecer mais por medo da punição do que por acreditar no projeto de sociedade na qual elas estão. Uma sociedade que tem um projeto calcado na repressão não é uma sociedade saudável”, destaca.
O coronel Rui César Melo considera que, além da manutenção de um aparato ostensivo, o poder público não pode deixar de manter investimentos em outros setores básicos, como saúde e educação. “Compete ao Estado oferecer escola em período integral, assistência médica e social, principalmente nas periferias, mas isso não acontece. Aí desemboca tudo em polícia”, observa.
Dimensões
Para os especialistas, em certa medida, essa dimensão cultural explica porque em algumas sociedades a situação não foge ao controle, mesmo em ocasiões excepcionais, em que a vigilância é reduzida. É o caso do desastre ocorrido em Fukushima, no Japão, em que as ruas ficaram praticamente evacuadas, mas que não houve registro de aumento de índices de violência. “Lá, certamente, os cidadãos se reconheciam como parte da sociedade e as normas não perderam a validade”, sintetiza o professor Alvarenga.
No Brasil, vários outros estados registraram greves de policiais. No Paraná, a última paralisação significativa ocorreu em 2010, no governo de Roberto Requião (PMDB), mas a situação não chegou a fugir ao controle. A Bahia enfrentou duas mobilizações nos últimos anos – em 2012 e 2014 –, ambas com um cenário de saques e dezenas de assassinatos. Para os analistas, essa diferença pode ser explicada pelo tamanho da adesão da greve em cada estado.
“No Espírito Santo, agora, por exemplo, a adesão foi praticamente geral. No Paraná [em 2010], não chegou a ser tão grande. Isso depende de uma resposta rápida do governo, de debelar o movimento”, apontou o coronel Rui César Melo.
Movimento de policiais gera divergência
Na sexta-feira (10), o governo do Espírito Santo resolveu endurecer com os polícias militares que participavam da mobilização. No total, 703 agentes foram indiciados por crime de revolta e motim. Para o coronel Rui César Melo, o comandante da Polícia Militar (PM) capixaba, por inércia, perdeu o comando da tropa, o que abriu espaço para que os militares se revoltassem. A categoria reivindica reposição salarial e melhores condições de trabalho.
“Houve uma falha de comando. Cabe ao comandante exercer a comunicação direta com o governo do estado, apontando insatisfações, cobrando estrutura. O comandante deveria ter sensibilizado o governo a atender as demandas da classe, para que não se chegasse ao ponto que chegou”, afirma.
O sociólogo Flávio Sapori, por sua vez, considera que as associações policiais estão “aparelhadas” politicamente e marcadas pelo corporativismo. Desta forma, essas entidades tornariam “reféns” o comando da PM e o governo do estado. “A greve revela a perda do controle e que não temos instrumentos legais para mudar esta realidade”, opina. (ANÍBAL, Felippe.
Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/da-repressao-a-etica-o-que-esta-por-detras-dos-saquesno-espirito-santo-cqhcka7lusidkqs79eurlgfc7. Acesso 12 de fev 2017. Adaptado.)
Considerando as construções morfológicas e sintáticas empregadas no texto, analise as assertivas a seguir.
I. “Vivemos um momento em que as leis não são obedecidas em diversos setores, inclusive na política.” (6º§) De acordo com a norma culta escrita da língua, o termo em que poderia ser substituído pelo onde, sem prejuízo de sentido.
II. “Diante deste cenário, o cidadão se pergunta se vale a pena continuar seguindo uma série de valores éticos...” (6º§) O primeiro se é parte integrante do verbo e o segundo se é conjunção condicional.
III. “Para os analistas, essa diferença pode ser explicada pelo tamanho da adesão da greve em cada estado.” (11º§) A fim de tornar inequívoca essa passagem texto, poder-se-ia substituir “adesão da greve” por “adesão à greve”.
IV. “Se você for ver os vídeos, vai ver que os saques envolvem ‘não-criminosos’ habituais...” (3º§) Se as perífrases verbais for ver e vai ver forem substituídas, cada uma por um único verbo, teríamos: “Se você vir os vídeos, verá...”
V. Em “... os aspectos ético e político também têm um peso decisivo neste contexto.”, (1º§) há outra possibilidade de concordância entre o substantivo e os adjetivos que o determinam: “o aspecto ético e o político”.
Estão corretas apenas as afirmativas
Texto
Em um ponto qualquer da praia de Copacabana, o ônibus
para, saltam dois rapazes e uma moça, o senhor de idade
sobe e inadvertidamente pisa o pé de um sujeito de meia-idade, robusto, muito satisfeito com a sua pessoa. O senhor
vira-se e ia pedir desculpas, quando o tal sujeito lhe diz quase
gritando: - Não sabe onde pisa, seu calhorda? O senhor de
idade não contava com aquela brutalidade e fica surpreso.
O outro carrega na mão, acrescentando: - Imbecil! Reação
inesperada do senhor de idade que responde: - Imbecil é a sua
mãe! Enquanto isso, todos os passageiros do ônibus sentem
que vai ocorrer qualquer coisa, provavelmente só desaforo
grosso, mas quem sabe? Talvez umas boas taponas... Diante
do ultraje atirado à genitora, o sujeito suficiente, em vez de
taponas que a maioria dos passageiros esperava, ou de puxar
da faca ou revólver, pergunta indignado ao senhor de idade:
- Sabe com quem está falando? Mas o senhor de idade não
era sopa e retrucou: - Estou falando com um homem, parece...
– Está falando com um delegado! O senhor está preso! – Isso
é o que vamos ver! O sujeito seria mesmo um delegado? Era
a pergunta que todos os passageiros se faziam. Ai deles, era!
E resultado: o delegado voltou-se para o motorista e ordenou:
- Entre pela rua Siqueira Campos e vamos para o distrito! Os
passageiros ficaram aborrecidíssimos com aquela brusca
mudança de itinerário, mas não protestaram. O ônibus para à
porta da delegacia, salta o senhor de idade, salta o delegado,
e este fala ao sentinela: - Leve preso este sujeito por desacato
à autoridade! Nisto o senhor de idade puxa a caderneta de
identificação e diz ao soldado: - Eu sou o general. Prenda este
atrevido! O general volta ao ônibus, comanda ao motorista: -
Vamos embora! O motorista “pisa”. Os passageiros do ônibus
batem palmas.
(BANDEIRA, Manuel. Sabe com quem está falando? Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1990. P672-674 (Adaptado) .
“O ônibus para à porta da delegacia, salta o senhor de idade, salta o delegado, e este fala ao sentinela:”
Sobre a ocorrência de crase, em “à porta da delegacia”,
é correto afirmar que:
O que é, mesmo, respeito?
Um processo judicial chamou a atenção do país, provocando boa dose de polêmica. Um juiz de Niterói, Rio de Janeiro, descontente com a forma pela qual era tratado pelos empregados do seu condomínio, entrou na Justiça com uma ação em que exigia ser chamado de “senhor” ou “doutor”. E, de fato, obteve uma liminar que reconhecia sua queixa como procedente.
Não se trata de caso único. Muitas pessoas têm queixas similares: não gostam do “você” ou do “meu bem”, formas de tratamento de uso cada vez mais disseminado no Brasil. O que, aliás, corresponde a uma mudança cultural. Num país que, durante a maior parte de sua história, admitiu a escravidão como fato normal e considerou indígenas criaturas inferiores (no período colonial discutia-se se os índios tinham alma), o servilismo era a regra. Escravos, empregados e até os filhos tinham de se dirigir aos donos da casa chamando-os de “senhor” ou “de senhora”. Aliás, e como a gente vê nas novelas de época, era este também o tratamento entre marido e mulher. “Doutor” era um título honorífico, sobretudo porque poucos concluíam a universidade: o analfabetismo era a regra. Até mesmo o coloquial “você” tem origem reverente: é a forma simplificada de vossa mercê – e quando se diz que uma pessoa está à mercê de alguém, estamos, inevitavelmente, falando de submissão. Quanto ao “tu”, só podia ser usado em relações íntimas; “tutear”, tratar alguém por tu, sempre foi sinônimo de grosseria. Notem que o inglês simplifica tudo isso com o “you”, que pode ser usado para qualquer um, desde o amigo até o presidente.
As formas de tratamento mudaram no Brasil. E mudaram por razões práticas, mudaram porque se alterou a conjuntura social e cultural: doutores não nos faltam, e aqueles que têm doutorado já começam a questionar o uso do título por simples graduados em universidades. Mas as coisas mudaram, sobretudo, porque o país ficou mais democrático, mais igualitário. O juiz de Niterói tem direito a um tratamento respeitoso; aliás, qualquer pessoa tem direito a isso. A pergunta é se “doutor”, por exemplo, significa respeito. Talvez respeito seja uma coisa mais profunda, um tipo de relacionamento em que os direitos do outro, não importando a posição social desse outro, sejam reconhecidos. A melhor forma de respeito não é aquela imposta de cima para baixo, de dentro para fora, aquela que implica uma postura reverente, servil; a melhor forma de respeito é aquela que nasce de uma convicção interna, de uma forma madura de consciência: respeitamos o conhecimento, a competência, a dedicação, o valor pessoal de alguém. Quando essa motivação não existe, o tratamento pode ser até reverente, mas ocultará revolta ou deboche. “Sim, senhor” pode traduzir humildade, mas pode também ser a expressão de uma latente hostilidade.
O verdadeiro respeito nasce da democracia, nasce da igualdade. No verdadeiro respeito o clássico “Você sabe com quem está falando?” deixa de existir, como deixa de existir o carteiraço. Quando chegamos a um clima de verdadeiro respeito, a questão das formas de tratamento torna-se secundária e tão antiga como a expressão vossa mercê.
(SCLIAR, Moacyr. Do jeito que nós vivemos – Belo Horizonte: Editora Leitura, 2007.)