Leia o Texto II
16 milhões de brasileiros sofrerão com a
automação na próxima década
A elite política e econômica global está
preocupada com o futuro do trabalho. Só no Brasil,
15,7 milhões de trabalhadores serão afetados pela
automação até 2030, segundo estimativa da
consultoria McKinsey. Uma amostra recente foi o
corte de 60 mil cargos públicos anunciado pelo
governo Michel Temer este mês, boa parte em razão
da obsolescência, como no caso de datilógrafos e
digitadores.
No mundo, no período entre 2015 e 2020, o
Fórum Econômico Mundial prevê a perda de 7,1
milhões de empregos, principalmente aqueles
relacionados a funções administrativas e industriais.
A avaliação de especialistas da área é que o mercado
de trabalho passa por uma grande reestruturação,
semelhante à revolução industrial. A diferença é que
agora tudo acontece muito mais rápido: desde 2010,
o número de robôs industriais cresce a uma taxa de
9% ao ano, segundo a Organização Internacional do
Trabalho (OIT).
Um caminho para contornar o problema é
treinar a força de trabalho para que aqueles de menor
qualificação profissional não fiquem para trás, diz o
diretor da OIT. “Os novos empregos que estão sendo
criados demandam habilidades matemáticas,
analíticas e digitais. Isso significa que é preciso
treino vocacional”, afirma. Ele cita como exemplo o
Senai, cuja proposta é preparar mão de obra técnica
para a indústria. Estudo na Unicef divulgado em
dezembro alerta para o risco da tecnologia digital
transformar-se em um novo motor de desigualdade.
Embora 1 em cada 3 usuários da internet seja uma criança, há ainda 346 milhões de jovens sem acesso
ao mundo digital.
Há uma forte preocupação com os
trabalhadores de menor qualificação, em termos do
impacto da tecnologia. Essas pessoas não são
realmente alfabetizadas digitais, e não terão
oportunidade para aprender habilidades específicas.
Eles serão deixados para trás e terão uma
empregabilidade muito pequena", diz Salazar, da
OIT. A velocidade com que as mudanças ocorrem
demanda mudanças também na educação dos mais
velhos, diante do prolongamento da vida
profissional, na esteira do aumento da longevidade.
A automação não é a único motivo de preocupação.
A emergência de novas relações profissionais fora
do contrato tradicional é outro fator desestabilizador.
Um novo grupo de pessoas cresce à margem dos
direitos trabalhistas, classificados ora como
“trabalhadores independentes”, ora como
"invisíveis" ou simplesmente "informais".
Segundo pesquisa feita pelo Fórum
Econômico Mundial com diretores das áreas de
recursos humanos em empresas de 15 países, 44%
deles acreditam que o maior impacto no mercado
hoje vem das mudanças no ambiente de trabalho,
como home office, e nos arranjos flexíveis, como
contratação de pessoas físicas para trabalhar por
projeto (a chamada "pejotização”). O percentual é
semelhante entre os brasileiros (42%). Outra forma
emergente de trabalho são os relacionados à "gig
economy", como plataformas online e aplicativos –
programadores freelancer e motoristas de Uber
entram nessa categoria. A tendência é de que as
empresas reduzam ao máximo o número de
empregados fixos dentro do contrato tradicional,
terceirizando para consultores o que for possível
como forma de redução de custos e ganho de
eficiência, segundo o Fórum Econômico Mundial.
Assim, embora a tecnologia gere uma
demanda por novas atividades altamente
qualificadas, como programação de um aplicativo, a probabilidade é que as empresas terceirizem a
função, em vez de contratar diretamente esse
profissional. Gerenciamento de mídias sociais é um
exemplo de função repassada a consultores, pagos
por tarefa. Essa ausência do reconhecimento de uma
relação de emprego faz a OIT classificar esse tipo de
trabalho como "invisível".
Ainda não está claro se elas serão
regulamentadas ou se cairão no trabalho informal,
diz a OIT. Já nos Estados Unidos e na Europa, ganha
força a classificação da categoria como
"trabalhadores independentes", calculada em 162
milhões de pessoas pela consultoria McKinsey. A
reforma trabalhista feita no Brasil no final de 2017
tentou abarcar em parte essas mudanças, ao
regulamentar o home office, por exemplo.
Polêmicas, como a situação dos motoristas de Uber,
contudo, persistem.
Um desafio extra para o Brasil é que ele
precisa começar a lidar com essas questões novas ao
mesmo tempo em que ainda não resolveu problemas
antigos, como o alto índice de informalidade, que
voltou a subir durante a crise e hoje atinge 44,6%
dos trabalhadores, segundo o IBGE. É preciso
estender a cobertura da legislação ao "velho" e ao
"novo" mercado, Salazar-Xirinachs, diretor regional
da OIT para a América Latina e Caribe. "O objetivo
não é proteger o emprego em si, mas sim garantir os
direitos trabalhistas clássicos mesmo que haja mais
flexibilidade", diz.
Para o sociólogo Ruy Braga, professor da
USP e autor dos livros "A Rebeldia do Precariado"
(2017) e "A Política do Precariado" (2012), as novas
formas de trabalho que surgem mascaram o avanço
do velho subemprego. Para ele, a reforma
trabalhista, ao formalizar atividades de tempo parcial
ou de curta duração, oficializa essa desestruturação
do mercado. "Do ponto de vista microeconômico, é
bastante racional que você elimine cargos
intermediários. Mas, do ponto de vista social, a coisa
se complica, porque você vai ter menos empregos de qualidade e de maior renda. Consequentemente, uma
sociedade mais polarizada, o que significa mais
desigual e com dificuldades de se integrar", avalia.
(Extraído e adaptado de:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/01/1951904-16-milhoes-de-brasileiros-sofrerao-com-automacao-naproxima-decada.shtml)