Vênus
(Caio Fernando Abreu)
Há seis anos, ele estava apaixonado por ela.
Perdidamente. O problema – um dos problemas,
porque havia outros, bem mais graves -, o problema
inicial, pelo menos, é que era cedo demais. Quando se
tem vinte ou trinta anos, seis anos de paixão pode ser
muito (ou pouco, vai saber) tempo. Mas acontece que
ele só tinha doze anos. Ela, um a mais. Estavam ambos
naquela faixa intermediária em que ficou cedo demais
para algumas coisas, e demasiado tarde para a maioria
das outras.
Ela chamava-se Beatriz. Ele chamava-se – não
vem ao caso. Mas não era Dante, ainda não. Anos mais
tarde, tentaria lembrar-se de Como Tudo Começou. E
não conseguia. Não conseguiria, claramente. Voltavam
sempre cenas confusas na memória. Misturavam-se,
sem cronologia, sem que ele conseguisse determinar o
que teria vindo antes ou depois daquele momento em
que, tão perdidamente, apaixonou-se por Beatriz.
Voltavam principalmente duas cenas. A
primeira, num aniversário, não saberia dizer de quem.
Dessas festas de verão, janelas da casa todas abertas,
deixando entrar uma luz bem clara que depois
empalideceria aos poucos, tingindo o céu de vermelho,
porque entardecia. Ele lembrava de um copo de
guaraná, da saia de veludo da mãe – sempre ficava
enroscado na mãe, nas festas, espiando de longe os
outros, os da idade dele. Lembrava do copo de
guaraná, da saia de veludo (seria verde musgo?) e do
balão de gás que segurava. Então a mãe perguntou, de
repente, qual a menina da festa que ele achava mais
bonita. Sem precisar pensar, respondeu:
- Beatriz.
A mãe riu, jogou para trás os cabelos – uns
cabelos dourados, que nem o guaraná e a luz de verão
– e disse assim:
- Credo, aquele estrelete?
Anos mais tarde, não encontraria no dicionário
o significado da palavra estrelete. Mas naquele
momento, ali com o balão em uma das mãos, o guaraná
na outra, cotovelos fincados no veludo (seria azulmarinho?) da saia da mãe, pensou primeiro em estrela.
Talvez por causa do movimento dos cabelos da mãe,
quando tudo brilhou, ele pensou em estrela. Uma
pequena estrela. Uma estrela magrinha, meio nervosa.
Beatriz tinha um pescoço longo de bailarina que a fazia
mais alta que as outras meninas, e um jeito lindo de
brilhar quando movia as costas muito retas, olhando
adulta em volta.
Estrelete estrelete estrelete estrelete – repetiu
e repetiu até que a palavra perdesse o sentido e,
reduzida a faíscas, saísse voando junto com o balão
que ele soltou, escondido atrás do taquareiro. Bem na
hora que o sol sumia e uma primeira estrela apareceu.
Estrela-d’Alva, Vésper, Vênus, diziam. Diziam muitas
coisas que ele ainda não entendia.