Leia o texto abaixo para responder à questão.
Como o Titanic e o navio à deriva no Rio, somos todos
transatlânticos falidos
Em vez da flautinha nos acordes iniciais de "My Heart Will
Go On", o estrondo de uma embarcação de 250 metros colidindo
contra a ponte Rio-Niterói. Navegando pela internet em vídeos e
memes sem fim, eis que o São Luiz acabou rebatizado de
"Titanikity".
De todos os fatos que a gente costuma ver no noticiário,
esse do cargueiro vazio e à deriva pela baía de
Guanabara realmente pareceu coisa de cinema-catástrofe. Ou de
filme com piratas. Bandidos que, sem nenhum glamour
hollywoodiano, até hoje pilham centenas de embarcações pela
costa brasileira. Desprovidos de papagaios, tapa-olhos ou pernasde-pau. Tomando cerveja litrão em vez de rum, rum, rum, uma
garrafa de rum.
Tá, que sei eu de odisseias marítimas? A missão mais
audasiosa que encaro é pegar uma barca e fazer piquenique com
toalhinha xadrez na ilha de Paquetá. Porém, como toda pessoa
zero aventureira, amo narrativas épicas —sobretudo as que
resultam em fiasco.
Flutuando no ar, como um navio-fantasma, o Vasa me
impactou já na fila da bilheteria. Cabia inteiro dentro daquele
museu, construído apenas para abrigá-lo. Uma apaixonante ode
sueca ao maior equívoco naval da sua história.
Em 10 de agosto de 1628, o galeão encomendado pelo rei
Gustavo Adolfo zarpou do porto de Estocolmo com pompa,
circunstância e uma uruca terrível. Gigantesco e mal planejado,
literalmente adernou logo que bateu um ventinho. Com o perdão
do trocadilho infame, mas justo, o Vasa vazou pelos canhões até
afundar em sua única viagem. A cerca de um quilômetro da
multidão que, em choque, ainda lhe acenava com lencinhos.
Deu tempo de quase todo mundo se salvar, a nado. O
capitão passou um dia preso, mas foi liberado. Como o autor do
projeto já tinha morrido, a culpa ficou sendo de ninguém. Fazer
o quê? Pois eu diria: "Peraí, espera 333 anos".
Preservado pelo sal e pela geografia da orla, o Vasa foi
resgatado em 1961, no mais perfeito estado. Trazendo com ele
pertences intocados de tripulantes e passageiros: roupas,
chapéus, brinquedos, bilhetes. Aos olhos do presente, ele é uma cápsula do século 17. Feito garrafa lançada ao oceano, num
triunfo à prova do tempo.
Gosto de pensar no Vasa, no São Luiz e em outros navios
como um flutuante chamado à aventura e à reflexão. Seja nas
tragédias náuticas reais ou em filmes com Leonardo DiCaprio
congelado, às vezes é preciso afundar primeiro e ser valorizado
depois —o que diz muito sobre a gente. Como cantaria Zé
Ramalho, "somos transatlânticos falidos em pleno mar".
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bia-braune/2022/11/como-otitanic-e-o-navio-a-deriva-no-rio-somos-todos-transatlanticosfalidos.shtml. Acessado em 20/11/2022. Adaptado.