As elites e o povão
É cansativo, é irritante, isso de falar em elites e povão,
como se só o chamado povão fosse honesto e merecedor de
confiança e tudo que se liga à “elite” significasse o pior
quanto à moral, ao valor e à confiabilidade.
É mal-intencionado dizer que só a elite é saudável,
educada, merecedora das boas coisas da vida e o povão é
sujo, grosseiro e não vai melhorar nunca.
E, afinal, o que é essa “elite”? Quem a constitui? Parece
que existem várias.
Elite social – Nada mais triste do que ler: “Fulana de Tal,
socialite”. Tem profissão? Tem família? Faz alguma coisa da
vida? Não, ela é socialite. O marido, ou o filho, ou o companheiro dessa fina dama seria o quê? Um socialite, também?
Singularmente ainda não vi o termo usado no masculino.
Talvez porque na nossa utopia os homens sempre têm
profissão e ganham o dinheiro, isto é, são úteis, enquanto as
mulheres ornamentam seu lado público.
Elite intelectual – Dessa, já gostei mais. Porém,
cuidado: o grau de intelectualidade não reside na quantidade de diplomas, alguns fajutos, adquiridos no exterior em
universidades com nomes pomposos. O intelectual de
primeira é o que de verdade pensa, lê, estuda, escreve,
pesquisa e atua. Cultiva a simplicidade e detesta a arrogância, companheira da inteligência limitada.
Talvez elite verdadeira fosse a dos bem informados e
instruídos, não importa em que grau, não importam dinheiro
nem sofisticação. Um povo pouco informado acredita no
primeiro demagogo que aparece, engole suas mentiras como
pílulas salvadoras e, por cegueira ou por carência, segue o
caminho de seu próprio infortúnio.
Seria melhor largar essa bobagem de elite versus povão e
pensar em habitantes deste planeta e deste país. Todos merecendo melhor cuidado com a saúde, melhores escolas e universidades, melhores condições de vida, melhor salário, melhores
estradas, lugares de lazer mais bem-cuidados, mais tranquilos e
seguros, menos impostos, menos mentiras. Mais oportunidades,
mais sinceridade, mais vida. Melhor uso das palavras. Mais
respeito pela inteligência comum e pelo bom senso.
Então, velhíssima fórmula tão pouco aplicada, comecemos
pela educação. Mas não venham com a empulhação quanto aos
analfabetos a menos no país. Alfabetizado não é quem aprendeu a assinar o nome: é quem antes leu e compreendeu aquilo
que vai assinar, pois, se optar errado, a exploração de sua
ignorância vai pesar sobre seus ombros por mais um longo
tempo de altos juros.
Mais cuidado com palavras, pois elas podem se transformar, de pedras preciosas, em testemunho de ignorância
ou má vontade, ou ainda em traiçoeiros punhais.
(Texto de Lya Luft. Publicado em 2011. Com adaptações.)