TEXTO V
Você maior
As redes sociais alimentam, mas não são as únicas
responsáveis pela egolatria que tomou conta do mundo. Vivendo
numa bolha chamada sociedade de consumo, cada um de nós
passou a ser encarado como um produto e, como tal, precisa se
“vender”. Para se colocar bem no mercado do amor e no mercado
de trabalho, tornou-se obrigatório apresentar um perfil, e então
tratamos de falar muito sobre nós, sobre nossos atributos e tudo o
que possa fazer a gente avançar em relação à concorrência, que
não é pequena. Somos os publicitários de nós mesmos, uns mais
discretos, outros mais exibidos, mas todos procurando encantar o
próximo, que propaganda nada mais é do que isso: a arte de
seduzir.
Contraditoriamente, quando se torna necessário falarmos não
de nossos atributos, mas de nossas dores, de nossas inseguranças
e de nossos defeitos, fechamos a boca. Mesmo os que estão bem
perto, aqueles que nos são íntimos, não escutam a nossa voz.
Calamos por temer um julgamento sumário. Produtos precisam ser
eficientes, não podem ter falhas.
A boa notícia é que tudo isso é um absurdo. Não somos um
produto. Não precisamos de slogan, embalagem, jingle. Estamos
aqui para conviver, e não para sermos consumidos. E, se
quisermos que realmente nos conheçam, o ideal seria parar de nos
anunciarmos como o último copo d’água do deserto.
O documentário Eu Maior, um dos trabalhos mais tocantes a
que assisti nos últimos tempos, traz o depoimento de filósofos,
artistas, cientistas e ambientalistas sobre quem verdadeiramente
somos e como devemos nos relacionar com o universo. Entre
várias colocações ponderadas, teve uma de Marina Silva que tomei
como uma lição de comportamento: “Você descobre a qualidade de
uma pessoa não quando ela fala de si, mas quando ela fala dos
outros”.
Ou seja, o que revela sua verdadeira natureza são os
comentários venenosos que costuma distribuir ou os elogios que
faz sobre amigos e desconhecidos. São as fofocas que oculta para
não menosprezar seus semelhantes ou que espalha por aí,
acrescentando uma maldadezinha extra. Você é avaliado de forma
mais precisa através da sua capacidade de enaltecer o positivo que
há ao seu redor ou de propagar o negativismo que sobressai em
tudo o que vê. Você demonstra que é uma pessoa maior – ou menor
– de acordo com sua necessidade de diminuir ou de valorizar
aqueles que o rodeiam, de acordo com um olhar que deveria ser
justo, mas quase sempre é competitivo. É através das suas
palavras amorosas ou das suas declarações injuriantes que os
outros saberão exatamente quem é você – pouco importando o que
você diga sobre si mesmo.
Sobre você mesmo, deixe que falemos nós.
MEDEIROS, Martha. Simples assim. 12. ed. – Porto Alegre, RS:
LP&M, 2016.