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Para prefeitura do rio de janeiro - rj
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Texto IV: Uso, crença e atitudes na variação na primeira pessoa do plural no Português Brasileiro
A construção da crença linguística de uma comunidade letrada, pelo menos na sociedade ocidental, é regida por instrumentos normativos: gramáticas, compêndios e livros didáticos. Se nas gramáticas norteadas em abordagens descritivas a forma a gente já é incluída no paradigma pronominal do português (Castilho & Elias 2011, Bagno 2012), nas norteadas pela tradição gramatical (Bechara 2009, Azeredo 2008) – que são as fontes que perpassam os livros didáticos –, a gente entra como uma observação de uso no português falado no Brasil, em situações coloquiais.
Os livros didáticos adotados nas escolas públicas brasileiras passam por uma avaliação do Programa Nacional do Livro Didático. Para ser selecionado, o livro didático de Língua Portuguesa precisa apresentar atividades que propiciem ao aluno “o domínio das normas urbanas de prestígio, especialmente em sua modalidade escrita monitorada, mas também nas situações orais públicas formais em que seu uso é socialmente requerido” (Brasil 2011:52). Embora os estudos sociolinguísticos venham evidenciando a tendência crescente ao uso de a gente, inclusive na modalidade escrita e em situação de maior formalidade, os livros didáticos de maneira geral ainda não o incluem no paradigma pronominal (Brandão & Vieira 2011), o que certamente tem influência nas crenças e atitudes dos informantes.
Se a inserção de a gente é tabu, a concordância nós -0 em livro didático é caso de comoção nacional. Foi o que aconteceu em 2012, com o livro didático Por uma vida melhor (Ramos 2011), selecionado pela avaliação do PNLD para a educação de jovens e adultos, em uma seção intitulada “Escrever é diferente de falar”, exemplificou a concordância verbal naquilo que foi definido como fala popular com a frase “Nós pega o peixe”.
A não presença de a gente nos instrumentos normativos que chegam à escola poderia, por hipótese, atuar como um refreador da mudança, mas não é nessa direção que os dados apontam. E, em relação aos padrões de covariação de pronome e concordância nós -0 e a gente -mos, ainda que as atitudes subjacentes a piadas e memes sugiram que sejam estigmatizados ou restritos a um perfil social, estes padrões emergem em situações de reação subjetiva em espaço escolar e, em menor escala, na fala de informantes mais escolarizados.
Raquel Meister Ko. Freitag
DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 32, n. 4,
mar. 2017. (Excerto)
Texto IV: Uso, crença e atitudes na variação na primeira pessoa do plural no Português Brasileiro
A construção da crença linguística de uma comunidade letrada, pelo menos na sociedade ocidental, é regida por instrumentos normativos: gramáticas, compêndios e livros didáticos. Se nas gramáticas norteadas em abordagens descritivas a forma a gente já é incluída no paradigma pronominal do português (Castilho & Elias 2011, Bagno 2012), nas norteadas pela tradição gramatical (Bechara 2009, Azeredo 2008) – que são as fontes que perpassam os livros didáticos –, a gente entra como uma observação de uso no português falado no Brasil, em situações coloquiais.
Os livros didáticos adotados nas escolas públicas brasileiras passam por uma avaliação do Programa Nacional do Livro Didático. Para ser selecionado, o livro didático de Língua Portuguesa precisa apresentar atividades que propiciem ao aluno “o domínio das normas urbanas de prestígio, especialmente em sua modalidade escrita monitorada, mas também nas situações orais públicas formais em que seu uso é socialmente requerido” (Brasil 2011:52). Embora os estudos sociolinguísticos venham evidenciando a tendência crescente ao uso de a gente, inclusive na modalidade escrita e em situação de maior formalidade, os livros didáticos de maneira geral ainda não o incluem no paradigma pronominal (Brandão & Vieira 2011), o que certamente tem influência nas crenças e atitudes dos informantes.
Se a inserção de a gente é tabu, a concordância nós -0 em livro didático é caso de comoção nacional. Foi o que aconteceu em 2012, com o livro didático Por uma vida melhor (Ramos 2011), selecionado pela avaliação do PNLD para a educação de jovens e adultos, em uma seção intitulada “Escrever é diferente de falar”, exemplificou a concordância verbal naquilo que foi definido como fala popular com a frase “Nós pega o peixe”.
A não presença de a gente nos instrumentos normativos que chegam à escola poderia, por hipótese, atuar como um refreador da mudança, mas não é nessa direção que os dados apontam. E, em relação aos padrões de covariação de pronome e concordância nós -0 e a gente -mos, ainda que as atitudes subjacentes a piadas e memes sugiram que sejam estigmatizados ou restritos a um perfil social, estes padrões emergem em situações de reação subjetiva em espaço escolar e, em menor escala, na fala de informantes mais escolarizados.
Raquel Meister Ko. Freitag
DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 32, n. 4,
mar. 2017. (Excerto)
Texto IV: Uso, crença e atitudes na variação na primeira pessoa do plural no Português Brasileiro
A construção da crença linguística de uma comunidade letrada, pelo menos na sociedade ocidental, é regida por instrumentos normativos: gramáticas, compêndios e livros didáticos. Se nas gramáticas norteadas em abordagens descritivas a forma a gente já é incluída no paradigma pronominal do português (Castilho & Elias 2011, Bagno 2012), nas norteadas pela tradição gramatical (Bechara 2009, Azeredo 2008) – que são as fontes que perpassam os livros didáticos –, a gente entra como uma observação de uso no português falado no Brasil, em situações coloquiais.
Os livros didáticos adotados nas escolas públicas brasileiras passam por uma avaliação do Programa Nacional do Livro Didático. Para ser selecionado, o livro didático de Língua Portuguesa precisa apresentar atividades que propiciem ao aluno “o domínio das normas urbanas de prestígio, especialmente em sua modalidade escrita monitorada, mas também nas situações orais públicas formais em que seu uso é socialmente requerido” (Brasil 2011:52). Embora os estudos sociolinguísticos venham evidenciando a tendência crescente ao uso de a gente, inclusive na modalidade escrita e em situação de maior formalidade, os livros didáticos de maneira geral ainda não o incluem no paradigma pronominal (Brandão & Vieira 2011), o que certamente tem influência nas crenças e atitudes dos informantes.
Se a inserção de a gente é tabu, a concordância nós -0 em livro didático é caso de comoção nacional. Foi o que aconteceu em 2012, com o livro didático Por uma vida melhor (Ramos 2011), selecionado pela avaliação do PNLD para a educação de jovens e adultos, em uma seção intitulada “Escrever é diferente de falar”, exemplificou a concordância verbal naquilo que foi definido como fala popular com a frase “Nós pega o peixe”.
A não presença de a gente nos instrumentos normativos que chegam à escola poderia, por hipótese, atuar como um refreador da mudança, mas não é nessa direção que os dados apontam. E, em relação aos padrões de covariação de pronome e concordância nós -0 e a gente -mos, ainda que as atitudes subjacentes a piadas e memes sugiram que sejam estigmatizados ou restritos a um perfil social, estes padrões emergem em situações de reação subjetiva em espaço escolar e, em menor escala, na fala de informantes mais escolarizados.
Raquel Meister Ko. Freitag
DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 32, n. 4,
mar. 2017. (Excerto)
Texto IV: Uso, crença e atitudes na variação na primeira pessoa do plural no Português Brasileiro
A construção da crença linguística de uma comunidade letrada, pelo menos na sociedade ocidental, é regida por instrumentos normativos: gramáticas, compêndios e livros didáticos. Se nas gramáticas norteadas em abordagens descritivas a forma a gente já é incluída no paradigma pronominal do português (Castilho & Elias 2011, Bagno 2012), nas norteadas pela tradição gramatical (Bechara 2009, Azeredo 2008) – que são as fontes que perpassam os livros didáticos –, a gente entra como uma observação de uso no português falado no Brasil, em situações coloquiais.
Os livros didáticos adotados nas escolas públicas brasileiras passam por uma avaliação do Programa Nacional do Livro Didático. Para ser selecionado, o livro didático de Língua Portuguesa precisa apresentar atividades que propiciem ao aluno “o domínio das normas urbanas de prestígio, especialmente em sua modalidade escrita monitorada, mas também nas situações orais públicas formais em que seu uso é socialmente requerido” (Brasil 2011:52). Embora os estudos sociolinguísticos venham evidenciando a tendência crescente ao uso de a gente, inclusive na modalidade escrita e em situação de maior formalidade, os livros didáticos de maneira geral ainda não o incluem no paradigma pronominal (Brandão & Vieira 2011), o que certamente tem influência nas crenças e atitudes dos informantes.
Se a inserção de a gente é tabu, a concordância nós -0 em livro didático é caso de comoção nacional. Foi o que aconteceu em 2012, com o livro didático Por uma vida melhor (Ramos 2011), selecionado pela avaliação do PNLD para a educação de jovens e adultos, em uma seção intitulada “Escrever é diferente de falar”, exemplificou a concordância verbal naquilo que foi definido como fala popular com a frase “Nós pega o peixe”.
A não presença de a gente nos instrumentos normativos que chegam à escola poderia, por hipótese, atuar como um refreador da mudança, mas não é nessa direção que os dados apontam. E, em relação aos padrões de covariação de pronome e concordância nós -0 e a gente -mos, ainda que as atitudes subjacentes a piadas e memes sugiram que sejam estigmatizados ou restritos a um perfil social, estes padrões emergem em situações de reação subjetiva em espaço escolar e, em menor escala, na fala de informantes mais escolarizados.
Raquel Meister Ko. Freitag
DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 32, n. 4,
mar. 2017. (Excerto)
Texto IV: Uso, crença e atitudes na variação na primeira pessoa do plural no Português Brasileiro
A construção da crença linguística de uma comunidade letrada, pelo menos na sociedade ocidental, é regida por instrumentos normativos: gramáticas, compêndios e livros didáticos. Se nas gramáticas norteadas em abordagens descritivas a forma a gente já é incluída no paradigma pronominal do português (Castilho & Elias 2011, Bagno 2012), nas norteadas pela tradição gramatical (Bechara 2009, Azeredo 2008) – que são as fontes que perpassam os livros didáticos –, a gente entra como uma observação de uso no português falado no Brasil, em situações coloquiais.
Os livros didáticos adotados nas escolas públicas brasileiras passam por uma avaliação do Programa Nacional do Livro Didático. Para ser selecionado, o livro didático de Língua Portuguesa precisa apresentar atividades que propiciem ao aluno “o domínio das normas urbanas de prestígio, especialmente em sua modalidade escrita monitorada, mas também nas situações orais públicas formais em que seu uso é socialmente requerido” (Brasil 2011:52). Embora os estudos sociolinguísticos venham evidenciando a tendência crescente ao uso de a gente, inclusive na modalidade escrita e em situação de maior formalidade, os livros didáticos de maneira geral ainda não o incluem no paradigma pronominal (Brandão & Vieira 2011), o que certamente tem influência nas crenças e atitudes dos informantes.
Se a inserção de a gente é tabu, a concordância nós -0 em livro didático é caso de comoção nacional. Foi o que aconteceu em 2012, com o livro didático Por uma vida melhor (Ramos 2011), selecionado pela avaliação do PNLD para a educação de jovens e adultos, em uma seção intitulada “Escrever é diferente de falar”, exemplificou a concordância verbal naquilo que foi definido como fala popular com a frase “Nós pega o peixe”.
A não presença de a gente nos instrumentos normativos que chegam à escola poderia, por hipótese, atuar como um refreador da mudança, mas não é nessa direção que os dados apontam. E, em relação aos padrões de covariação de pronome e concordância nós -0 e a gente -mos, ainda que as atitudes subjacentes a piadas e memes sugiram que sejam estigmatizados ou restritos a um perfil social, estes padrões emergem em situações de reação subjetiva em espaço escolar e, em menor escala, na fala de informantes mais escolarizados.
Raquel Meister Ko. Freitag
DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 32, n. 4,
mar. 2017. (Excerto)
Texto IV: Uso, crença e atitudes na variação na primeira pessoa do plural no Português Brasileiro
A construção da crença linguística de uma comunidade letrada, pelo menos na sociedade ocidental, é regida por instrumentos normativos: gramáticas, compêndios e livros didáticos. Se nas gramáticas norteadas em abordagens descritivas a forma a gente já é incluída no paradigma pronominal do português (Castilho & Elias 2011, Bagno 2012), nas norteadas pela tradição gramatical (Bechara 2009, Azeredo 2008) – que são as fontes que perpassam os livros didáticos –, a gente entra como uma observação de uso no português falado no Brasil, em situações coloquiais.
Os livros didáticos adotados nas escolas públicas brasileiras passam por uma avaliação do Programa Nacional do Livro Didático. Para ser selecionado, o livro didático de Língua Portuguesa precisa apresentar atividades que propiciem ao aluno “o domínio das normas urbanas de prestígio, especialmente em sua modalidade escrita monitorada, mas também nas situações orais públicas formais em que seu uso é socialmente requerido” (Brasil 2011:52). Embora os estudos sociolinguísticos venham evidenciando a tendência crescente ao uso de a gente, inclusive na modalidade escrita e em situação de maior formalidade, os livros didáticos de maneira geral ainda não o incluem no paradigma pronominal (Brandão & Vieira 2011), o que certamente tem influência nas crenças e atitudes dos informantes.
Se a inserção de a gente é tabu, a concordância nós -0 em livro didático é caso de comoção nacional. Foi o que aconteceu em 2012, com o livro didático Por uma vida melhor (Ramos 2011), selecionado pela avaliação do PNLD para a educação de jovens e adultos, em uma seção intitulada “Escrever é diferente de falar”, exemplificou a concordância verbal naquilo que foi definido como fala popular com a frase “Nós pega o peixe”.
A não presença de a gente nos instrumentos normativos que chegam à escola poderia, por hipótese, atuar como um refreador da mudança, mas não é nessa direção que os dados apontam. E, em relação aos padrões de covariação de pronome e concordância nós -0 e a gente -mos, ainda que as atitudes subjacentes a piadas e memes sugiram que sejam estigmatizados ou restritos a um perfil social, estes padrões emergem em situações de reação subjetiva em espaço escolar e, em menor escala, na fala de informantes mais escolarizados.
Raquel Meister Ko. Freitag
DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 32, n. 4,
mar. 2017. (Excerto)
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011
Texto III: O que é uma língua?
A padronização, a gramatização, a ortografização de uma língua têm constituído, em todos os momentos históricos, um processo de seleção e, como todo processo de seleção, um processo simultâneo de exclusão. A centralização dos Estados nacionais a partir do Renascimento em torno da figura do rei, símbolo da nacionalidade, acarretou a construção política de uma língua nacional, de uma língua oficial.
Ora, que critérios poderiam ser empregados para definir essa língua oficial, essa língua que, de materna, se transformará em língua paterna, língua pátria, língua oficial? Em meio à diversidade linguística que sempre caracterizou todos os países da Europa, que língua ou que variedade de língua será arrancada de sua dinâmica social para se transformar em monumento, em símbolo da identidade nacional?
Os critérios serão, sempre, de ordem política e nunca-jamais de ordem “linguística”, no sentido de não haver possibilidade alguma de uma variedade ser escolhida por algum conjunto de características “inerentes” (beleza, elegância, riqueza, concisão etc.) que a tornem “naturalmente” mais apta a ser eleita para o processo de hipostasiação. A língua escolhida será sempre, nos casos das nações unificadas, a língua ou dialeto falado na região onde se situa o poder, a Corte, a aristocracia, o rei.
A famosa Ordonnance de Villers-Cotterêts assinada em 6 de setembro de 1539 pelo rei Francisco I, decreta que todo e qualquer documento legal, contratos, sentenças, testamentos etc., “sejam pronunciados, registrados e entregues às partes em linguagem materna francesa, e não outramente”. Ora, essa “linguagem materna francesa” é de uso extremamente minoritário no século XVI, e mesmo no final do XVIII, como veremos adiante, era desconhecida por três quartos da população da França. Sua escolha como língua oficial se deve ao mero fato de ser a língua materna do rei, o que é razão suficiente para decretar sua oficialidade, apesar de sua reduzida difusão entre os súditos. Com isso, o que poderia parecer um ato de democratização das relações entre o poder e os cidadãos – a substituição do latim pelo francês nos atos oficiais – era, na verdade, uma reafirmação do caráter aristocrático daquele regime político e se prendia ao simples fato de, àquela altura da história francesa, o latim já ser uma língua desconhecida para a maioria dos membros da elite política e cultural.
A língua ou variedade de língua eleita para ser oficial será objeto de um trabalho de codificação, de padronização, trabalho empreendido pelos gramáticos, e também de criação de um léxico novo, amplo, que permita à língua ser instrumento da alta literatura, da ciência, da religião e do direito.
Por conseguinte, e ao contrário do que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (socio)linguistas – num discurso que se repete também nos livros didáticos de português, supostamente “atualizados” com os avanços da ciência linguística –, a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas variedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma variedadepadrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto é, uniforme e invariante, como pode ser uma “variedade”?), nem um dialeto-padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, língua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei, uma norma no sentido mais jurídico do termo.
Marcos Bagno
“O que é uma língua? Imaginário, ciência e hipóstase” In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M.
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011