Está provado que acordar mais cedo faz o dia maior. Esta frase não é
minha, e desgraçadamente não consegui saber o nome de seu autor,
pois acordei muito cedo, mas não bastante cedo; quando liguei o rádio
às 6h10 a aula já havia começado; ouvi o programa até o fim, mas não
fiquei sabendo o nome do professor. La verando estas vera jardeno,
plena de floroi. Nunca estudei esperanto, mas suponho que a varanda
ou o verão está com muitas flores no jardim; de qualquer modo é uma
boa notícia, algo de construtivo.
[…]
O professor estava agora respondendo cartas de ouvintes. O Sr.
Sizenando Mendes Ferreira, de Iporá, Goiás, escrevera dizendo que
achara suas aulas muito interessantes e queria se inscrever entre seus
alunos.
Sou um homem do interior, tenho uma certa emoção do interior,
às vezes penso que eu merecia ser goiano. A manhã estava escura
e chuvosa em Ipanema; e me comoveu saber que naquele instante mesmo, a um mundo de remotas léguas, no interior de Goiás, havia
um Sizenando, brasileiro como eu, aprendendo que o jardeno está
plena de floroi – e talvez escrevendo isso em um caderno.
Não importa que neste momento haja milhões de brasileiros dormindo
insensatamente, enquanto outros milhões tomam café ou banho de
chuveiro ou já marchem para o trabalho, ou que minha amada Joana
esteja neste minuto saindo do Sacha’s e entrando no carro daquele
Stompanato de Botafogo. Eu e Sizenando cultivamos o jardim da
cultura, plena de floroi; nós somos, de certo modo, a elite do Brasil;
amanhecemos em flor.
Então o professor, talvez estimulado pela atenção do ouvinte goiano,
fez uma pequena dissertação sobre a utilidade do esperanto e também
sobre a vantagem de acordar cedo. Está provado que acordar mais
cedo faz o dia maior. Não será uma frase muito sutil, mas é tão pura
e bem-intencionada que poderia figurar no decálogo do escoteiro. No
fundo deve haver alguma ligação entre o escotismo, o esperanto e o
acordar cedo. Eis uma falha de minha vida: nunca fui escoteiro; agora
é tarde para quebrar coco na ladeira, mas talvez ainda seja tempo de
aprender um pouco de esperanto; eu e Sizenando.
“Tenho um amigo – dizia o professor – que me confessou que nunca
ouvira o meu programa, pois dorme até tarde. Pois bem. Ele ontem
acordou cedo e ouviu o meu programa. Disse-me que passou o dia
inteiro com uma excelente disposição, achou o dia maior e mais útil,
ficou realmente satisfeito”.
O próprio professor estava satisfeito com a declaração de seu amigo;
sentia-se isso em sua voz. Murmurei para mim mesmo que o golpe é
este: todo dia acordar cedo, ouvir minha aula de esperanto e depois
se houver alguma aula de ginástica pelas imediações topar também,
mens sana in corpore sano; no fim de um mês os amigos vão ficar
espantados, como o Braga está bem! Este pensamento me reconfortou;
estendi a mão para pegar um cigarro na mesinha de cabeceira, mas
fumei com certo remorso. No fundo o esperanto deve ser contra o
tabagismo, assim como é favorável ao escotismo.
Mi estas bruna. Isto quer dizer: eu sou moreno. Mi estas brunas, ó
filhas de Jerusalém, dizia a Sulamita. A esta hora Joana deve estar no
carro daquele palhaço, toda aconchegada a ele, meio tonta de uísque,
vai para o apartamento dele – um imbecil que não sabe uma só palavra
de esperanto! A vida é triste, Sizenando.
BRAGA, Rubem [1958]. Disponível em: https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/11528/sizenando-a-vida-e-triste. Acesso em: 12 mar. 2022.