A questão refere-se ao texto a seguir.
Raízes da intolerância
Racismo, injúria e preconceito revelam rejeição à própria
condição humana
Muniz Sodré
Dados oficiais do Instituto de Segurança Pública mostram que o Rio
de Janeiro tem registrado aumento nos casos gerais de intolerância
religiosa, em que se incluem episódios de “injúria por preconceito”
e “preconceito de raça, cor, religião, etnia e procedência nacional”.
Traduzindo: discriminam-se cada vez mais negros, nordestinos e
praticantes de cultos afro-brasileiros.
Não é surpresa a inclusão de nordestinos nesse espectro. Na história
do processo de seleção para a carreira diplomática, é possível deparar
com episódios reveladores de uma oblíqua tradição “estética”, que
não visava negativamente apenas os afro-brasileiros. Num desses,
o Barão do Rio Branco (1845-1910) rejeitou a candidatura do poeta
simbolista Antonio Francisco da Costa e Silva (1885-1950) por suposta
inadequação estética: “nordestino e estrábico”.
Esse critério seletivo se alterou oficialmente, mas suas raízes sociais
continuam à mostra em setores populares. Faz pouco tempo, o
sotaque de uma jovem paraibana num reality show provocou ataques
cruéis da audiência.
Sempre houve esse tipo de discriminação no Sul, porém de modo
mais atenuado em cidades tradicionalmente acolhedoras, como o Rio
de Janeiro, cuja institucionalidade popular foi tecida pelos migrantes
nordestinos nos morros e subúrbios. O carioca era uma mistura branda,
em que a dicotomia entre “nós” e “eles” não traduzia conflitos nem
ressentimentos. Pelo contrário, graças aos cultos afros e ao samba,
resultava numa originalidade civilizatória que até hoje garante à cidade
um lugar de visibilidade na cena internacional.
Mas é evidente que a sublimação carnavalesca da cidade jamais
conseguiu esconder o persistente racismo neocolonial. Sob a superfície
da hipocrisia social, estão latentes velhos esquemas discriminatórios,
que agora se exasperam na onda de um retrocesso mental frente à exposição pública de diferenças temidas pela consciência enferrujada
de frações de classe “média”. Essas mesmas de olhos fechados às
pequenas e grandes violências que desfiguraram o urbano remanescente
na paisagem do Rio.
SODRÉ, Muniz. Raízes da intolerância. Disponível em: https://www.geledes.org.br/raizes-daintolerancia/. Acesso em: 01 mai. 2022. (Adaptado).