Pela emancipação masculina
Uma pequena aglomeração na orla da Barra da Tijuca.
Homens, em sua esmagadora maioria. O carro de som
parado, o zunido do microfone enquanto passam o som, a
faixa ligeiramente torta. É a primeira passeata masculinista
do Brasil.
João Marcelo é aquele cara ali, vestindo regata. Ele
organizou o evento pelo WhatsApp. Tudo começou por
causa de um controle remoto. Sempre que Miriam, sua
esposa, botava o pé para fora de casa, o controle da TV
desaparecia. E só quando ela voltava, o mistério era solucionado: estava na cara dele o tempo todo.
Foi nesse meio-tempo, assistindo ao Rodrigo Hilbert a
contragosto, que João Marcelo se deu conta da violência
diária e silenciosa que ele sofria: a dependência do sexo
feminino.
Agora, João Marcelo quer que todos os homens sejam
livres. E ele não está sozinho. Paulão é segurança particular e já
perdeu dois empregos por causa de seu terno “abarrotado”
(sic). Depois que a Sandra foi embora, ele parece um cosplay de
Agostinho Carrara. Vocifera ao megafone em defesa de
meninos inocentes que dependem dos caprichos de uma mãe,
às vezes até de um pai – “porque homem oprime homem
também!” – para se alimentar e fazer a própria higiene pessoal.
É um projeto de dominação diabólico que visa domesticar os
homens para sempre, desde pequenos.
Uma ciclista curiosa interpela os manifestantes. Lidiane
quer saber que injustiças são essas que esses homens alegam
estar sofrendo. O tom da moça causa revolta. O feminismo é a
pauta da vez, ninguém fala das mazelas do homem, só se ele
for gay. Ela claramente não conhece a angústia de sair de casa
para comprar rúcula e voltar com um ramo de espinafre. Ou de
abrir uma gaveta cheia de meias soltas e não conseguir formar
um par. Paulão tira a camisa envergonhado, exibindo os cravos
que se alastram em suas costas.
Indiferente àquele tumulto em prol do empoderamento masculino, Lidiane pedala para longe, sob algumas
vaias.
Os cartazes começam a despontar na pequena multidão,
estampando frases de efeito como: “minha próstata, minhas
regras”, “a cada 11 minutos, um homem é obrigado a trocar um
pneu no Brasil” e “paternidade é uma escolha, não uma obrigação”. A passeata segue pacificamente até ser interrompida
por um apelo emocionado do organizador ao microfone:
“Alguém viu minha carteira?”.
(Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/manuelacantuaria/2019/09/pela-emancipacao-masculina.shtml. Acesso em:
10/09/2019. Manuela Cantuária.)