Questões de Concurso Para fau

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Q2470434 Atualidades
Em agosto de 2023, uma das grandes estrelas da dramaturgia brasileira faleceu aos 90 anos, pouco antes de receber uma homenagem em honra à sua carreira que seria entregue durante a 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado (RS). Porém, além da carreira brilhante com participação em mais de 100 produções incluindo cinema, teatro e televisão, ela também se destacava por sua grande luta pela visibilidade e inclusão da mulher negra na cinematografia brasileira. Qual das alternativas abaixo se refere a essa atriz? 
Alternativas
Q2470433 Atualidades
Recentemente, a Câmara Municipal de Vereadores de São Paulo tem pautado a instituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em relação às atuações de Organizações Não Governamentais (ONGs) numa região dominada pelo uso indiscriminado de entorpecentes no centro da capital paulista. O debate sobre o que fazer quanto ao tema será uma das principais agendas políticas da eleição municipal de 2024, e mobilizará grande interesse político nacional. Qual das alternativas abaixo se refere ao nome utilizado para se referir a essa área em São Paulo?
Alternativas
Q2470432 Atualidades
Em fins de 2023, a cidade de Maceió recebeu alerta de “risco iminente” da Defesa Civil devido à possibilidade de desabamento de uma das minas de extração de sal-gema na cidade. Ali, a mineração causou instabilidade no solo e, até então, milhares de imóveis e de pessoas foram afetados. Qual das alternativas abaixo se refere à empresa responsável pelas minas que podem entrar em colapso na cidade? 
Alternativas
Q2470431 Conhecimentos Gerais
A história do Brasil é elemento central para compreender um dos mais vergonhosos processos históricos na história da humanidade. Em 2017, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) decidiu reconhecer o valor universal das ruínas do principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil. Após ter sido aterrado em 1911, foi apenas em 2011 durante as obras conhecidas como Porto Maravilha que as escavações retomaram a história daquele lugar, e decidiu-se iniciar o processo legal para fazer dele uma memória daquela violência contra a humanidade. Qual das alternativas abaixo se refere a esse patrimônio histórico e turístico?
Alternativas
Q2470430 História e Geografia de Estados e Municípios
Antes de ser estabelecido como município de Enéas Marques, a localidade foi elevada à categoria de distrito administrativo em 1961. No entanto, na época recebeu outro nome, ligado à geografia da comunidade. Se tratava de um córrego que limitava o perímetro urbano, que tinha o mesmo nome da grande quantidade de árvores de determinada espécie que faziam a composição de sua paisagem. Qual das alternativas abaixo se refere a este nome?
Alternativas
Q2470429 História e Geografia de Estados e Municípios
O sudoeste paranaense é uma região repleta de conflitos históricos que moldaram as relações com a sociedade civil e a posse e propriedade da terra. Sobre o assunto, marque (V) para Verdadeiro e (F) para Falso e assinale a alternativa que contém a sequência correta:

( ) Entre 1864 e 1870, a região sudoeste do Paraná foi pleiteada pelo governo da Argentina. A questão foi resolvida em favor do Brasil, com a arbitragem do presidente norteamericano John F. Kennedy e atuação irretocável do Conde D’Eu.
( ) No início do século XX, no conflito que ficou conhecido como Guerra do Contestado, milhares de pessoas que haviam sido expulsas de suas terras para a construção de uma estrada de ferro acreditaram que o monge José Maria voltaria dos céus liderando um exército encantado para lhes trazer redenção.
( ) Entre 1943 e 1946 o governo brasileiro desmembrou áreas do Paraná e de Santa Catarina para criar o Território Federal do Iguaçu. A ideia era reforçar a presença brasileira na fronteira internacional dentro do projeto conhecido como “Marcha para Oeste” do então presidente Getúlio Vargas.
( ) Em 1957 ocorreu o movimento conhecido como Revolta dos Colonos foi um levante de repúdio aos problemas de colonização na região. O contexto envolvia os posseiros que exigiam titulação das terras, mas também companhias de colonização e os governos federal e estadual.
Alternativas
Q2470428 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

Marque a alternativa em que os verbos sublinhados, no período abaixo, estão conjugados, respectivamente, no pretérito perfeito e no pretérito imperfeito do modo indicativo: 
Alternativas
Q2470427 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

No período, “Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão” a oração sublinhada classifica-se como: 
Alternativas
Q2470426 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

Quanto à classe de palavras e suas funções, assinale a alternativa que indica a classificação correta das palavras sublinhadas, respectivamente:
Alternativas
Q2470425 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

As palavras são acentuadas por serem proparoxítonas em:
Alternativas
Q2470424 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

Marque a alternativa em que as palavras se formam pelo processo de derivação sufixal:
Alternativas
Q2470423 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

Marque a alternativa em que as palavras apresentam SOMENTE encontros consonantais:
Alternativas
Q2470422 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

Quanto à regência verbal, os verbos sublinhados no período abaixo, classificam, respectivamente como:
Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
Alternativas
Q2470421 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

No período, abaixo, as locuções sublinhadas exercem a função sintática, respectivamente, de:
“Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida”. 
Alternativas
Q2470420 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

Considere o texto sobre Clarice Lispector, marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q2470419 Português
CLARICE LISPECTOR: A TEIA SUTIL DE UMA POÉTICA FEMINISTA

Rita Terezinha Schmidt
(03 de janeiro de 2024)


        Assim como Clarice sempre resistiu a qualquer tentativa de enquadramento e manifestava publicamente sua falta de interesse em produzir “literatura” – termo ao qual atribuía o peso de uma instituição, um fardo que nunca cogitou carregar porque se considerava uma amadora, e não uma “profissional” –, também nunca mencionou o termo “feminista”, seja na sua vida pública, seja na sua produção ficcional. Talvez porque na época circulava o clichê de que feministas eram mulheres mal-amadas e desejavam se igualar aos homens, noções distorcidas e disseminadas por segmentos conservadores que não admitiam a agenda da luta por direitos, foco das reivindicações dos movimentos de mulheres que começaram a ganhar vulto a partir da década de 1950.
        Nesse período e nas décadas seguintes, o impacto da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, foi explosivo, particularmente pela afirmação de que a mulher “feminina”, nos termos do binarismo de gênero na cultura patriarcal, é caracterizada pela passividade e que é nessa condição que ela se torna um ser para o outro, uma alteridade institucionalizada.
        Com vivências em países europeus e nos Estados Unidos, Clarice certamente tomou conhecimento das passeatas de mulheres que ganhavam, na época, ampla cobertura nos jornais e em noticiários na televisão. Também foi leitora de escritoras inglesas como Emily Brontë, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, que abordaram questões relativas à condição feminina, definida como “o problema que não tem nome” por Betty Friedan, em seu A mística feminina (1963). Woolf, além de inovadora na prosa de ficção, em Um teto todo seu (1929) foi pioneira na denúncia da opressão econômica, intelectual e criativa das mulheres: ao tentar fazer uma pesquisa sobre o tema mulher e ficção na biblioteca de Oxbridge (nome fictício para as duas mais tradicionais universidades da Inglaterra, Cambridge e Oxford), teve sua entrada barrada por não estar acompanhada de um homem nem levar uma carta de apresentação. Ao retornar devidamente acompanhada, levantou informações que referendaram o que observara de forma empírica, isto é, que a tradição literária era pautada, exclusivamente, na genealogia pais/filhos.
        Em tempos de questionamentos e de transformações sociais, não surpreende que na singularidade composicional de suas obras Clarice articulasse um feminismo latente de outra genealogia, a de mãe/filhas, presente nos alinhamentos entre narradora, autora implícita e personagens femininas, tramados em diferentes graus de cumplicidade. Trata-se de uma teia na qual a relação da narradora com suas personagens conflui em fios de discurso/fios de pensamento que deslizam de uma obra a outra, produzindo ressonâncias e superposições na construção de elos intersubjetivos. Se o fio, no mito de Ariadne, é símbolo de salvação de um enredamento mortal, na obra de Clarice seu arquétipo tece um imaginário que fecunda subjetividades/identificações declinadas pelo pertencimento feminino e que entrelaçam vida e ficção numa economia de afetos que não deixa de evocar o lema feminista de nossa época, “o pessoal é político”.
        Talvez nenhuma outra escritora brasileira, ao longo de sua obra, tenha sido capaz de captar e sustentar com perspicácia e constância a problemática de personagens femininas, circunscritas por injunções de uma estrutura patriarcal que contamina o espaço familiar. Suas trajetórias oscilam em movimentos de resistência, de submissão e de transgressão, num aprendizado doloroso de autoconsciência e de percepção do mundo à sua volta. Isso não significa dizer que Clarice reduzia a literatura ao compromisso verossímil de um realismo ingênuo, mas, sim, que seu viés feminista estava presente na construção das experiências vividas por suas personagens e produzia, de forma subjacente, uma crítica social pertinente a seu tempo e lugar.
        A pergunta “quem sou eu?”, implícita ou explícita, que percorre os fios de sua teia ganha expressão em Joana, Ana, Lucrécia, Laura, Virgínia, G. H., Ângela, personagens que figuram a condição da mulher brasileira de classe média dos anos 1940 a 1960 – condição essa que transcende limites geográficos e temporais. Em diferentes graus de sensibilidade quanto à realidade, todas essas personagens passam por sensações de vazio e de impotência, um desconforto com um cotidiano regulado por rituais domésticos e padrões preestabelecidos que dão um falso equilíbrio às suas existências e distorcem as percepções de si próprias e da vida. Por isso, em momentos de devaneios, vertigens ou revelações, todas são assaltadas por certo mal-estar, um desejo confuso, pela falta de algo que não sabem definir o que é, mas que sentem ser necessário descobrir. Esse momento é o das horas perigosas, quando algo reprimido emerge à superfície para romper a normalidade das aparências e desestabilizar, mesmo que momentaneamente, a estrutura engessada de suas vidas. [...]
        As obras de Clarice são declinadas no feminino sob um viés feminista, não somente pelo protagonismo de suas personagens mulheres e pelos laços de cumplicidade entre elas e a narradora, mas pelo agenciamento da escritora que intervém, de forma eloquente, no sistema de representação da cultura patriarcal. Não por acaso, o último fio de sua teia culmina no caudal de Água viva, pura imersão na energia originária de um feminino cósmico que vem “das trevas de um passado remoto”. Assim, tecida por muitos fios, a poética feminista de Clarice inscreve seu posicionamento social e político no contexto da cultura de seu tempo e projeta uma ética da diferença, inscrita no potencial criativo e subversivo das mulheres, que se reinventam para poder se imaginar outras, e umas com as outras, na literatura e na vida. 

Texto publicado originalmente na Cult 264, de dezembro de 2020.
A autora do texto é doutora em literatura, professora titular de literatura e convidada do Programa de PósGraduação em Letras da UFRGS. Adaptado de https://revistacult.uol.com.br/home/cult-301-claricelispector/ , acesso em 21 de mar de 2024.

Rita Terezinha Schmidt, no texto “Clarice Lispector: a teia sútil de uma poética feminista” defende a ideia, segundo a qual: 
Alternativas
Q2465777 Enfermagem
Universalização, equidade e integralidade são:
Alternativas
Q2465776 Enfermagem
A reposição volêmica:
Alternativas
Q2465775 Enfermagem
Após analisar os itens, assinale a alternativa correta:
I - 60 x 40 mmHg. II - 120 x 70 mmHg. III - 220 x 160 mmHg.
Alternativas
Q2465774 Enfermagem
Ao assumir o plantão, o Enfermeiro lê no prontuário que a paciente W.B.X. (49 anos) desmaia em posição ortostática. Considerando a informação descrita em prontuário e a prática assistencial, podemos constatar que W.B.X. desmaia ao permanecer: 
Alternativas
Respostas
2701: B
2702: D
2703: A
2704: A
2705: D
2706: B
2707: D
2708: A
2709: D
2710: C
2711: D
2712: B
2713: A
2714: E
2715: D
2716: B
2717: C
2718: E
2719: C
2720: D