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Q2639251 Português

TEXTO I - base para responder às questões de 01 a 06


Tratamento de dados pessoais pelo poder público


Apresentação


O tratamento de dados pessoais pelo Poder Público possui muitas peculiaridades, que decorrem, em geral, da necessidade de compatibilização entre o exercício de prerrogativas estatais típicas e os princípios, regras e direitos estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 - LGPD).

Diante desse cenário, o desafio posto é o de estabelecer parâmetros objetivos, capazes de conferir segurança jurídica às operações com dados pessoais realizadas por órgãos e entidades públicos. Trata-se de assegurar a celeridade e a eficiência necessárias à execução de políticas e à prestação de serviços públicos com respeito aos direitos à proteção de dados pessoais e à privacidade.

Entre outros aspectos relevantes, muitos órgãos e entidades públicos têm questionado a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) sobre (i) o âmbito de incidência da LGPD e a aplicação de seus conceitos básicos ao setor público; (ii) a adequada interpretação das bases legais que autorizam o tratamento de dados pessoais; (iii) os requisitos e as formalidades a serem observados nas hipóteses de uso compartilhado de dados pessoais; e (iv) a relação entre as normas de proteção de dados pessoais e o acesso à informação pública.

Considerando essas questões, o presente Guia Orientativo busca delinear parâmetros que possam auxiliar entidades e órgãos públicos nas atividades de adequação e de implementação da LGPD. As orientações apresentadas constituem um primeiro passo no processo de delimitação das interpretações sobre a LGPD aplicáveis ao Poder Público. Por isso, a versão publicada ficará aberta a comentários e contribuições de forma contínua, com o fim de atualizar o Guia oportunamente, à medida que novas regulamentações e entendimentos forem estabelecidos, a critério da ANPD. As sugestões podem ser enviadas para a Ouvidoria da ANPD, por meio da Plataforma Fala.BR (https://falabr.cgu.gov.br/).

Cumpre enfatizar que não é objeto deste Guia a definição de conceitos básicos previstos na LGPD. Em caso de dúvida, sugere-se consultar a página de documentos e publicações da ANPD, na qual estão disponíveis orientações mais específicas sobre esses conceitos, a exemplo do Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado.

O Guia inicia com uma breve explanação sobre a LGPD, o conceito de Poder Público e as competências da ANPD. A seguir, são apresentadas orientações sobre as bases legais mais comuns e os mais relevantes princípios que devem nortear o tratamento de dados pessoais por entidades e órgãos públicos. Na parte final, serão abordadas duas operações específicas de tratamento de dados pessoais pelo Poder Público: o compartilhamento e a divulgação de dados pessoais, sempre sob o enfoque da conformidade do tratamento com a LGPD. Os Anexos | e |l trazem, respectivamente, um sumário das recomendações apresentadas na análise dos dois casos específicos mencionados.


A LGPD, o poder público e as competências da ANPD


A LGPD foi promulgada em 2018 e tem como objetivo regulamentar o tratamento de dados pessoais para garantir o livre desenvolvimento da personalidade e a dignidade da pessoa humana. Para isso, a lei estabelece uma série de regras a serem seguidas pelos agentes de tratamento, incluindo o Poder Público.

O termo “Poder Público” é definido pela LGPD de forma ampla e inclui órgãos ou entidades dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), inclusive das Cortes de Contas e do Ministério Público. Assim, os tratamentos de dados pessoais realizados por essas entidades e órgãos públicos devem observar as disposições da LGPD, ressalvadas as exceções previstas no art. 4º da lei.

Também se incluem no conceito de Poder Público: (i) os serviços notariais e de registro (art. 23, §4º); e (ii) as empresas públicas e as sociedades de economia mista (art. 24), neste último caso, desde que (ii.i.) não estejam atuando em regime de concorrência; ou (ii.ii) operacionalizem políticas públicas, no âmbito da execução destas.

A LGPD visa, ainda, assegurar que dados pessoais sejam utilizados de forma transparente e com fins legítimos, ao mesmo tempo garantindo os direitos dos titulares. Especificamente em relação ao Poder Público, a LGPD (art. 55-J, Xl e XVI) prevê que a ANPD pode solicitar informe específico sobre o âmbito, a natureza dos dados e demais detalhes envolvidos na operação, bem como realizar auditorias sobre o tratamento de dados pessoais. O art. 52, § 3º, estabelece quais sanções podem ser aplicadas às entidades e aos órgãos públicos, com expressa exclusão das penalidades de multa simples ou diária previstas na LGPD.

Importante ressaltar que a ANPD é o órgão central de interpretação da LGPD e do estabelecimento de normas e diretrizes para sua implementação, no que se inclui a deliberação administrativa, em caráter terminativo, sobre a interpretação da lei e sobre as suas próprias competências e casos omissos (art. 55-K, parágrafo único; art. 55-J, XX). Além disso, a autoridade nacional detém competência exclusiva para aplicar as sanções administrativas previstas na LGPD, com prevalência de suas competências sobre outras correlatas de entidades e órgãos da administração pública no que se refere à proteção de dados pessoais (art. 55-K).

Assim, a ANPD possui competência originária, específica e uniformizadora no que concerne à proteção de dados pessoais e à aplicação da LGPD, previsão legal que deve ser interpretada de forma a se compatibilizar com a atuação de outros entes públicos que possam eventualmente tratar sobre o tema. A esse respeito, a LGPD (art. 55-J, § 3º) estabelece que à ANPD deve atuar em coordenação e articulação com outros órgãos e entidades públicos, visando assegurar o cumprimento de suas atribuições com maior eficiência e promover o adequado funcionamento dos setores regulados.

Importante ressaltar, por fim, que o servidor público que infrinja a LGPD também é passível de responsabilização administrativa pessoal e autônoma, conforme o art. 28 do Decreto Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Dessa forma, tratar dados pessoais indevidamente, como, por exemplo, vendendo banco de dados, alterando ou suprimindo cadastros de forma inadequada ou usando dados pessoais para fins ilegítimos pode levar à responsabilização do servidor público que praticou o ato ilegal.


Fonte: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/guia-poder-publico-anpd-versao-final.pdf (adaptado). Acesso em: 19 ago. 2022.

Observe novamente o parágrafo a seguir:


"Cumpre enfatizar que não é objeto deste Guia a definição de conceitos básicos previstos na LGPD. Em caso de dúvida, sugere-se consultar a página de documentos e publicações da ANPD, na qual estão disponíveis orientações mais específicas sobre esses conceitos, a exemplo do Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado”.


Com base na leitura dessa passagem, qual das palavras destacadas nas alternativas abaixo estabelece coesão referencial retomando um termo que a antecede?

Alternativas
Q2639250 Português

TEXTO I - base para responder às questões de 01 a 06


Tratamento de dados pessoais pelo poder público


Apresentação


O tratamento de dados pessoais pelo Poder Público possui muitas peculiaridades, que decorrem, em geral, da necessidade de compatibilização entre o exercício de prerrogativas estatais típicas e os princípios, regras e direitos estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 - LGPD).

Diante desse cenário, o desafio posto é o de estabelecer parâmetros objetivos, capazes de conferir segurança jurídica às operações com dados pessoais realizadas por órgãos e entidades públicos. Trata-se de assegurar a celeridade e a eficiência necessárias à execução de políticas e à prestação de serviços públicos com respeito aos direitos à proteção de dados pessoais e à privacidade.

Entre outros aspectos relevantes, muitos órgãos e entidades públicos têm questionado a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) sobre (i) o âmbito de incidência da LGPD e a aplicação de seus conceitos básicos ao setor público; (ii) a adequada interpretação das bases legais que autorizam o tratamento de dados pessoais; (iii) os requisitos e as formalidades a serem observados nas hipóteses de uso compartilhado de dados pessoais; e (iv) a relação entre as normas de proteção de dados pessoais e o acesso à informação pública.

Considerando essas questões, o presente Guia Orientativo busca delinear parâmetros que possam auxiliar entidades e órgãos públicos nas atividades de adequação e de implementação da LGPD. As orientações apresentadas constituem um primeiro passo no processo de delimitação das interpretações sobre a LGPD aplicáveis ao Poder Público. Por isso, a versão publicada ficará aberta a comentários e contribuições de forma contínua, com o fim de atualizar o Guia oportunamente, à medida que novas regulamentações e entendimentos forem estabelecidos, a critério da ANPD. As sugestões podem ser enviadas para a Ouvidoria da ANPD, por meio da Plataforma Fala.BR (https://falabr.cgu.gov.br/).

Cumpre enfatizar que não é objeto deste Guia a definição de conceitos básicos previstos na LGPD. Em caso de dúvida, sugere-se consultar a página de documentos e publicações da ANPD, na qual estão disponíveis orientações mais específicas sobre esses conceitos, a exemplo do Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado.

O Guia inicia com uma breve explanação sobre a LGPD, o conceito de Poder Público e as competências da ANPD. A seguir, são apresentadas orientações sobre as bases legais mais comuns e os mais relevantes princípios que devem nortear o tratamento de dados pessoais por entidades e órgãos públicos. Na parte final, serão abordadas duas operações específicas de tratamento de dados pessoais pelo Poder Público: o compartilhamento e a divulgação de dados pessoais, sempre sob o enfoque da conformidade do tratamento com a LGPD. Os Anexos | e |l trazem, respectivamente, um sumário das recomendações apresentadas na análise dos dois casos específicos mencionados.


A LGPD, o poder público e as competências da ANPD


A LGPD foi promulgada em 2018 e tem como objetivo regulamentar o tratamento de dados pessoais para garantir o livre desenvolvimento da personalidade e a dignidade da pessoa humana. Para isso, a lei estabelece uma série de regras a serem seguidas pelos agentes de tratamento, incluindo o Poder Público.

O termo “Poder Público” é definido pela LGPD de forma ampla e inclui órgãos ou entidades dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), inclusive das Cortes de Contas e do Ministério Público. Assim, os tratamentos de dados pessoais realizados por essas entidades e órgãos públicos devem observar as disposições da LGPD, ressalvadas as exceções previstas no art. 4º da lei.

Também se incluem no conceito de Poder Público: (i) os serviços notariais e de registro (art. 23, §4º); e (ii) as empresas públicas e as sociedades de economia mista (art. 24), neste último caso, desde que (ii.i.) não estejam atuando em regime de concorrência; ou (ii.ii) operacionalizem políticas públicas, no âmbito da execução destas.

A LGPD visa, ainda, assegurar que dados pessoais sejam utilizados de forma transparente e com fins legítimos, ao mesmo tempo garantindo os direitos dos titulares. Especificamente em relação ao Poder Público, a LGPD (art. 55-J, Xl e XVI) prevê que a ANPD pode solicitar informe específico sobre o âmbito, a natureza dos dados e demais detalhes envolvidos na operação, bem como realizar auditorias sobre o tratamento de dados pessoais. O art. 52, § 3º, estabelece quais sanções podem ser aplicadas às entidades e aos órgãos públicos, com expressa exclusão das penalidades de multa simples ou diária previstas na LGPD.

Importante ressaltar que a ANPD é o órgão central de interpretação da LGPD e do estabelecimento de normas e diretrizes para sua implementação, no que se inclui a deliberação administrativa, em caráter terminativo, sobre a interpretação da lei e sobre as suas próprias competências e casos omissos (art. 55-K, parágrafo único; art. 55-J, XX). Além disso, a autoridade nacional detém competência exclusiva para aplicar as sanções administrativas previstas na LGPD, com prevalência de suas competências sobre outras correlatas de entidades e órgãos da administração pública no que se refere à proteção de dados pessoais (art. 55-K).

Assim, a ANPD possui competência originária, específica e uniformizadora no que concerne à proteção de dados pessoais e à aplicação da LGPD, previsão legal que deve ser interpretada de forma a se compatibilizar com a atuação de outros entes públicos que possam eventualmente tratar sobre o tema. A esse respeito, a LGPD (art. 55-J, § 3º) estabelece que à ANPD deve atuar em coordenação e articulação com outros órgãos e entidades públicos, visando assegurar o cumprimento de suas atribuições com maior eficiência e promover o adequado funcionamento dos setores regulados.

Importante ressaltar, por fim, que o servidor público que infrinja a LGPD também é passível de responsabilização administrativa pessoal e autônoma, conforme o art. 28 do Decreto Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Dessa forma, tratar dados pessoais indevidamente, como, por exemplo, vendendo banco de dados, alterando ou suprimindo cadastros de forma inadequada ou usando dados pessoais para fins ilegítimos pode levar à responsabilização do servidor público que praticou o ato ilegal.


Fonte: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/guia-poder-publico-anpd-versao-final.pdf (adaptado). Acesso em: 19 ago. 2022.

Ao longo do texto, há mais de uma referência a objetivos ou finalidades formulados por meio de orações com verbos no infinitivo. Qual das opções abaixo encerra uma oração que NÃO enuncia NEM um objetivo NEM uma finalidade?

Alternativas
Q2639249 Português

TEXTO I - base para responder às questões de 01 a 06


Tratamento de dados pessoais pelo poder público


Apresentação


O tratamento de dados pessoais pelo Poder Público possui muitas peculiaridades, que decorrem, em geral, da necessidade de compatibilização entre o exercício de prerrogativas estatais típicas e os princípios, regras e direitos estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 - LGPD).

Diante desse cenário, o desafio posto é o de estabelecer parâmetros objetivos, capazes de conferir segurança jurídica às operações com dados pessoais realizadas por órgãos e entidades públicos. Trata-se de assegurar a celeridade e a eficiência necessárias à execução de políticas e à prestação de serviços públicos com respeito aos direitos à proteção de dados pessoais e à privacidade.

Entre outros aspectos relevantes, muitos órgãos e entidades públicos têm questionado a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) sobre (i) o âmbito de incidência da LGPD e a aplicação de seus conceitos básicos ao setor público; (ii) a adequada interpretação das bases legais que autorizam o tratamento de dados pessoais; (iii) os requisitos e as formalidades a serem observados nas hipóteses de uso compartilhado de dados pessoais; e (iv) a relação entre as normas de proteção de dados pessoais e o acesso à informação pública.

Considerando essas questões, o presente Guia Orientativo busca delinear parâmetros que possam auxiliar entidades e órgãos públicos nas atividades de adequação e de implementação da LGPD. As orientações apresentadas constituem um primeiro passo no processo de delimitação das interpretações sobre a LGPD aplicáveis ao Poder Público. Por isso, a versão publicada ficará aberta a comentários e contribuições de forma contínua, com o fim de atualizar o Guia oportunamente, à medida que novas regulamentações e entendimentos forem estabelecidos, a critério da ANPD. As sugestões podem ser enviadas para a Ouvidoria da ANPD, por meio da Plataforma Fala.BR (https://falabr.cgu.gov.br/).

Cumpre enfatizar que não é objeto deste Guia a definição de conceitos básicos previstos na LGPD. Em caso de dúvida, sugere-se consultar a página de documentos e publicações da ANPD, na qual estão disponíveis orientações mais específicas sobre esses conceitos, a exemplo do Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado.

O Guia inicia com uma breve explanação sobre a LGPD, o conceito de Poder Público e as competências da ANPD. A seguir, são apresentadas orientações sobre as bases legais mais comuns e os mais relevantes princípios que devem nortear o tratamento de dados pessoais por entidades e órgãos públicos. Na parte final, serão abordadas duas operações específicas de tratamento de dados pessoais pelo Poder Público: o compartilhamento e a divulgação de dados pessoais, sempre sob o enfoque da conformidade do tratamento com a LGPD. Os Anexos | e |l trazem, respectivamente, um sumário das recomendações apresentadas na análise dos dois casos específicos mencionados.


A LGPD, o poder público e as competências da ANPD


A LGPD foi promulgada em 2018 e tem como objetivo regulamentar o tratamento de dados pessoais para garantir o livre desenvolvimento da personalidade e a dignidade da pessoa humana. Para isso, a lei estabelece uma série de regras a serem seguidas pelos agentes de tratamento, incluindo o Poder Público.

O termo “Poder Público” é definido pela LGPD de forma ampla e inclui órgãos ou entidades dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), inclusive das Cortes de Contas e do Ministério Público. Assim, os tratamentos de dados pessoais realizados por essas entidades e órgãos públicos devem observar as disposições da LGPD, ressalvadas as exceções previstas no art. 4º da lei.

Também se incluem no conceito de Poder Público: (i) os serviços notariais e de registro (art. 23, §4º); e (ii) as empresas públicas e as sociedades de economia mista (art. 24), neste último caso, desde que (ii.i.) não estejam atuando em regime de concorrência; ou (ii.ii) operacionalizem políticas públicas, no âmbito da execução destas.

A LGPD visa, ainda, assegurar que dados pessoais sejam utilizados de forma transparente e com fins legítimos, ao mesmo tempo garantindo os direitos dos titulares. Especificamente em relação ao Poder Público, a LGPD (art. 55-J, Xl e XVI) prevê que a ANPD pode solicitar informe específico sobre o âmbito, a natureza dos dados e demais detalhes envolvidos na operação, bem como realizar auditorias sobre o tratamento de dados pessoais. O art. 52, § 3º, estabelece quais sanções podem ser aplicadas às entidades e aos órgãos públicos, com expressa exclusão das penalidades de multa simples ou diária previstas na LGPD.

Importante ressaltar que a ANPD é o órgão central de interpretação da LGPD e do estabelecimento de normas e diretrizes para sua implementação, no que se inclui a deliberação administrativa, em caráter terminativo, sobre a interpretação da lei e sobre as suas próprias competências e casos omissos (art. 55-K, parágrafo único; art. 55-J, XX). Além disso, a autoridade nacional detém competência exclusiva para aplicar as sanções administrativas previstas na LGPD, com prevalência de suas competências sobre outras correlatas de entidades e órgãos da administração pública no que se refere à proteção de dados pessoais (art. 55-K).

Assim, a ANPD possui competência originária, específica e uniformizadora no que concerne à proteção de dados pessoais e à aplicação da LGPD, previsão legal que deve ser interpretada de forma a se compatibilizar com a atuação de outros entes públicos que possam eventualmente tratar sobre o tema. A esse respeito, a LGPD (art. 55-J, § 3º) estabelece que à ANPD deve atuar em coordenação e articulação com outros órgãos e entidades públicos, visando assegurar o cumprimento de suas atribuições com maior eficiência e promover o adequado funcionamento dos setores regulados.

Importante ressaltar, por fim, que o servidor público que infrinja a LGPD também é passível de responsabilização administrativa pessoal e autônoma, conforme o art. 28 do Decreto Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Dessa forma, tratar dados pessoais indevidamente, como, por exemplo, vendendo banco de dados, alterando ou suprimindo cadastros de forma inadequada ou usando dados pessoais para fins ilegítimos pode levar à responsabilização do servidor público que praticou o ato ilegal.


Fonte: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/guia-poder-publico-anpd-versao-final.pdf (adaptado). Acesso em: 19 ago. 2022.

O primeiro parágrafo da seção “Apresentação”, do Guia Orientativo - Tratamento de Dados Pessoais pelo Poder Publico, tem função introdutória para os conteúdos que o sucedem. Identifique, entre as alternativas abaixo, aquela que define CORRETAMENTE o procedimento discursivo adotado pelos autores do texto para introduzir o tema por meio desse parágrafo:

Alternativas
Q2630181 Inglês

“A lesson plan is a set of notes that helps us think through what we are going to teach and how we are going to teach. It also guides us during and after the lesson. We can identify the most important components of a lesson plan by thinking carefully about what we want our learners to do and how we want them to do it. So, it helps the teacher before the lesson (writing down the aims and procedures for each stage of the lesson), during the lesson (timing each stage) and after the lesson (using the plan and notes to help plan the next lesson)”.


(THORNBURY, 2005, p. 91-92)


Considering Thornbury’s (a very famous applied linguistics in the early 2000s) quotation, put the numbers 1 – 5 in the correct place in the following lesson plan:


Lesson plan headings

Teacher’s note

Level and number of learners

15 – intermediate level

Timetable fit

( )

Main aim(s)

( )

Subsidiary aim(s)

To listen for detail to a model story

Personal aim(s)

( )

Assumptions

Students can already form tenses accurately

Anticipated language problems

Students may use present tenses

Possible solution

( )

Teaching aids

Storytelling prompts, dvd

Procedures

( )

Timing

15 min.

Interaction patterns

Ss – ss

Homework

Write a story


1. To enable students to use past tenses accurately and put events in order in simple narratives.

2. Students listen to the model story, then, in groups, plan and write their own stories.

3. Use gestures to remind students to use past tenses.

4. To follow on from work on past tenses and to prepare for the storytelling project.

5. To make sure that board writing is clear and readable.


Choose the CORRECT sequence.

Alternativas
Q2630177 Inglês

Applied linguists for a long time have been publishing many books and materials on teaching and learning English as a second and a foreign language. So, in this question, we provoke some reflections about these studies and how they could affect practice in our English classes.


Considering language and background to language learning and teaching, match the topic to its definition.


( 1 ) Grammar

( ) is the study of the sound features used in a language to communicate meaning.

( 2 ) Lexis

( ) is a reason why we communicate.

( 3 ) Phonology

( ) describes how we combine, organize and change words and parts of words to make meaning.

( 4 ) Function

( ) is individual words or sets of words that have a specific meaning.


Spratt, M., Pullverness, A. and Williams, M. (2005, p. 5–17).


Choose the item with the CORRECT sequence.

Alternativas
Q2630166 Pedagogia

Segundo Marcuschi (2001, p. 21), “a fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia a dia da maioria das pessoas. Contudo, as instituições escolares dão à fala atenção quase inversa à sua centralidade na relação com a escrita”.


Sobre o ensino da oralidade nas aulas de Língua Portuguesa, julgue como verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmativas a seguir:


I. Os documentos orientadores curriculares publicados pelo MEC nas últimas duas décadas preveem apenas o ensino da linguagem escrita nas aulas de Língua Portuguesa.

II. O ensino da linguagem oral não pode tomar como base o construto teórico “gêneros discursivos”, uma vez que estes só se aplicam aos discursos que circulam por escrito, como nos gêneros romance, notícia, e-mail, bula de remédio, etc.

III. A morfossintaxe da oralidade na norma culta e da escrita na norma culta é a mesma, não havendo, portanto, necessidade de trabalhar, em sala de aula, com particularidades sintagmáticas ou paradigmáticas de cada um desses registros.


A sequência CORRETA é:


Fonte: MARCUSCHI, L. A. Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco “falada”. In: DIONÍSIO, A. P.; BEZERRA, M. A. (Orgs.). O livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. p. 19-34.

Alternativas
Q2630165 Pedagogia

O ensino de Língua Portuguesa por meio de gêneros discursivos vem ganhando espaço em diferentes propostas curriculares para a Educação Básica no Brasil nas últimas décadas. Entre outros referenciais importantes que embasam tais propostas, destacam-se as postulações de Dolz e Schneuwly (2004, p. 7), para quem os gêneros “constituem o instrumento de mediação de toda estratégia de ensino e o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade.”


Uma proposta de ensino de Língua Portuguesa por meio de gêneros discursivos está epistemológica e metodologicamente mais alinhada com qual concepção de linguagem?


Fonte: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita. Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In: Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

Alternativas
Q2630164 Português

Segundo Luft (2008, p. 5, adaptado), “em sentido restrito, e mais habitual, regência é a subordinação especial de complementos às palavras que os preveem na sua significação. Assim, ‘cúmplice’, na sua significação, implica ‘co-autoria’ ou ‘envolvimento’ e ‘ato (negativo)’: em ‘cúmplice/com marginais/num crime’, o (nome) adjetivo ‘cúmplice’ rege dois complementos nominais, ‘com marginais’ e ‘num crime’; é um caso de regência nominal. ‘Pôr’, na sua significação, implica ‘objeto (a movimentar)’ e ‘lugar-meta’: em ‘pôr/o livro/na estante’, o verbo ‘pôr’ rege dois complementos verbais, ‘o livro’ e ‘na estante’; é um caso de regência verbal. (...) Outros nomes e verbos dispensam complemento(s): ‘casa’, ‘corpo’, ‘mesa’, ‘rosa’...; ‘azul’, ‘eterno’, ‘moreno’...; ‘bocejar’, ‘chover’, ‘dormir’, ‘morrer’... Regência em sentido restrito é, pois, a necessidade ou desnecessidade de complementação implicada pela significação de nomes (substantivos, adjetivos, advérbios) e verbos. No terreno que aqui interessa, esse necessitar ou prescindir, o verbo, de elementos nominais para completar uma estrutura significativa é o que se chama regência verbal”.


Conforme a definição acima, qual das preposições destacadas nas frases abaixo NÃO é exigida pelo fenômeno de regência?


Fonte: LUFT, C. P. Dicionário prático de regência verbal. São Paulo: Ática, 2008.

Alternativas
Q2630163 Português

Segundo Lucchesi (2015, p. 176), “o grau de diferenciação morfofonológica entre a forma da terceira pessoa do plural e a forma da terceira pessoa do singular tem-se mostrado um fator determinante no emprego da regra de concordância verbal no português brasileiro (...). O princípio básico é o de que, quanto maior for a diferença morfofonológica entre a forma marcada e a forma não marcada, maior será a probabilidade de o falante fazer a concordância verbal”.


De acordo com a afirmação acima, em qual dos contextos abaixo haveria MENOR probabilidade de um falante fazer a concordância verbal conforme postula a norma padrão para o registro escrito?


Fonte: LUCCHESI, D. A variação na concordância verbal no português popular da cidade de Salvador. Estudos Linguísticos e Literários, Salvador, nº 52, ago-dez 2015, p. 166-204.

Alternativas
Q2630162 Português

Conforme Basílio (2003) e Silva e Silva (2008), a divisão de palavras em classes gramaticais, ou classe de palavras, pode levar em consideração diferentes critérios conforme a perspectiva linguística adotada, sobretudo critérios morfológicos, sintáticos e semânticos. Considerando essa afirmação, qual das alternativas a seguir contém um trecho de definição de alguma classe gramatical abaixo contemplando apenas critérios semânticos?


Fontes: BRASÍLIO, M. Teoria lexical. São Paulo: Editora Ática S.A, 2003.

CIPRO NETO, P.; INFANTE, U. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Scipione, 2008.

SILVA, M. L. C.; SILVA, L. L. C. Os diferentes critérios utilizados para classificação de palavras em gramáticas escolares. Anais do V CONEDU – Congresso Nacional de Educação. 2018. Disponível em: https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2018/TRABALHO_EV117_MD4_ SA8_ID4438_10092018101127.pdf. Acesso em: 1 fev. 2023.

Alternativas
Q2630160 Português

Leia o Texto I para responder às questões de 21 a 29.


TEXTO I


OS IDIOTAS DA OBJETIVIDADE


(Nelson Rodrigues)


Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.

Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.

Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.

Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.

Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.

Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de Lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.

Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria: — “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer: — o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.

E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.

Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.

O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.

Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.

Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.

O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra-me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.

E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? (...)


Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/os-idiotas-da-objetividade-cronica-de-nelson-rodrigues/ (Adaptado). Acesso em: 8 jan. 2023.

Numa página de Internet, sobre análise sintática, encontra-se a seguinte afirmação: “sujeito e predicado são os termos essenciais da oração. Enquanto o sujeito é aquele ou aquilo de que(m) se fala, o predicado é a informação dada sobre o sujeito”. Trata-se, no entanto, de definição bastante simplista. Em qual das alternativas a seguir temos uma oração sublinhada a que NÃO pode ser aplicada a definição acima?


Fonte: https://www.todamateria.com.br/sujeito-e-predicado.

Alternativas
Q2630159 Português

Leia o Texto I para responder às questões de 21 a 29.


TEXTO I


OS IDIOTAS DA OBJETIVIDADE


(Nelson Rodrigues)


Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.

Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.

Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.

Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.

Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.

Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de Lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.

Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria: — “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer: — o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.

E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.

Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.

O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.

Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.

Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.

O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra-me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.

E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? (...)


Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/os-idiotas-da-objetividade-cronica-de-nelson-rodrigues/ (Adaptado). Acesso em: 8 jan. 2023.

José Carlos de Azeredo (2008, p. 100) afirma: “A informação contida em um texto é distribuída e organizada em seu interior graças ao emprego de certos recursos léxicos e gramaticais. À articulação desses recursos em benefício da expressão do sentido e de sua compreensão dá-se o nome de coesão textual”.


Considerando a definição acima, seu conhecimento sobre o assunto e o conteúdo do Texto I, julgue os itens a seguir como verdadeiros (V) ou falsos (F).


I. Conjunções são termos gramaticais que articulam orações e termos de mesma função sintática, estabelecendo entre eles o que se chama de coesão referencial.

II. A elipse pode ser, além de figura de linguagem, um mecanismo coesivo, como se observa na relação entre as duas frases da seguinte passagem do texto: “O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis”.

III. Em “Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa”, a palavra “que” é um mecanismo coesivo que introduz uma oração subordinada substantiva para completar o sentido do substantivo “lavadeira”.

IV. Em “Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional”, a palavra “que” é um mecanismo coesivo que introduz uma oração subordinada substantiva encaixada na função de sujeito da oração principal.


Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


Fonte: AZEREDO, José Carlos. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008.

Alternativas
Q2630158 Português

Leia o Texto I para responder às questões de 21 a 29.


TEXTO I


OS IDIOTAS DA OBJETIVIDADE


(Nelson Rodrigues)


Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.

Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.

Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.

Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.

Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.

Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de Lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.

Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria: — “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer: — o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.

E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.

Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.

O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.

Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.

Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.

O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra-me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.

E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? (...)


Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/os-idiotas-da-objetividade-cronica-de-nelson-rodrigues/ (Adaptado). Acesso em: 8 jan. 2023.

José Carlos de Azeredo (2008, p. 93-94) afirma: “Uma informação se diz pressuposta em um enunciado se ela é uma condição lógica da validade desse mesmo enunciado. (...) O significado pressuposto é óbvio e, portanto, coletivamente acessível. As informações implícitas, por sua vez, pertencem à ampla esfera das condições pragmáticas do discurso e dependem de variáveis socioculturais quase sempre subjetivas. São sentidos motivados por fatores paratextuais, sentidos que os textos insinuam ou autorizam, de sorte que seus autores não podem ser responsabilizados de os ter expressado.”


Considerando as definições acima, o seu conhecimento sobre o tema e os sentidos do Texto I, julgue os itens a seguir como verdadeiros (V) ou falsos (F).


I. Em “E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk”, está pressuposta a informação de que essa frase foi enunciada em outro lugar que não os Estados Unidos.

II. Em “Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil”, está pressuposta a informação de que o Brasil já estivera antes cara a cara com a guerra civil.

III. Em “No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul)”, está pressuposta a informação de que o príncipe herdeiro de Portugal não tinha olhos azuis.

IV. Em “O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio”, está pressuposta a informação de que outros jornais da época publicaram matérias mais emotivas sobre a morte de Getúlio Vargas.


Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


Fonte: AZEREDO, José Carlos. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008. Grifos nossos.

Alternativas
Q2630157 Português

Leia o Texto I para responder às questões de 21 a 29.


TEXTO I


OS IDIOTAS DA OBJETIVIDADE


(Nelson Rodrigues)


Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.

Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.

Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.

Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.

Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.

Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de Lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.

Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria: — “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer: — o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.

E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.

Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.

O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.

Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.

Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.

O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra-me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.

E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? (...)


Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/os-idiotas-da-objetividade-cronica-de-nelson-rodrigues/ (Adaptado). Acesso em: 8 jan. 2023.

José Carlos de Azeredo (2008, p. 182) afirma: “A forma verbal padrão plena é dotada de um morfema lexical — sua base ou radical (RAD) — e um conjunto de noções gramaticais dispostas numa ordem fixa após esta base: a vogal temática (VT), a desinência modo-temporal (DMT) e a desinência número-pessoal (DNP) (...)”.


Considerando a definição acima e o seu conhecimento sobre o tema, identifique entre as alternativas a seguir aquela que apresenta uma afirmativa INCORRETA sobre a forma verbal sublinhada.


Fonte: AZEREDO, José Carlos. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008.

Alternativas
Q2630156 Português

Leia o Texto I para responder às questões de 21 a 29.


TEXTO I


OS IDIOTAS DA OBJETIVIDADE


(Nelson Rodrigues)


Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.

Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.

Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.

Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.

Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.

Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de Lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.

Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria: — “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer: — o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.

E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.

Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.

O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.

Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.

Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.

O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra-me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.

E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? (...)


Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/os-idiotas-da-objetividade-cronica-de-nelson-rodrigues/ (Adaptado). Acesso em: 8 jan. 2023.

José Carlos de Azeredo (2008, p. 149) afirma: “O sintagma preposicional [SPrep.] é desprovido de um núcleo, já que a unidade que o caracteriza — a preposição — jamais ocorre isolada. O SPrep. é uma construção extremamente versátil do ponto de vista sintático (pode ocupar as posições tanto do SAdj. [sintagma adjetivo] quanto do SAdv. [sintagma adverbial] [...])”.


Considerando a definição de sintagma preposicional acima, identifique entre as alternativas a seguir aquela que NÃO apresenta sublinhado um sintagma preposicional ocupando a posição do sintagma adjetival.


Fonte: AZEREDO, José Carlos. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008.

Alternativas
Q2630155 Português

Leia o Texto I para responder às questões de 21 a 29.


TEXTO I


OS IDIOTAS DA OBJETIVIDADE


(Nelson Rodrigues)


Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.

Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.

Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.

Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.

Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.

Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de Lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.

Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria: — “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer: — o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.

E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.

Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.

O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.

Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.

Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.

O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra-me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.

E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? (...)


Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/os-idiotas-da-objetividade-cronica-de-nelson-rodrigues/ (Adaptado). Acesso em: 8 jan. 2023.

José Carlos de Azeredo (2008, p. 483) afirma: “Podemos definir figuras de linguagem como formas simbólicas ou elaboradas de exprimir ideias, significados, pensamentos etc., de maneira a conferir-lhes maior expressividade, emoção, simbolismo etc., no âmbito da afetividade ou da estética da linguagem”.


Acerca do tema figuras de linguagem e/ou sua ocorrência no Texto I, assinale a alternativa que contém uma afirmação INCORRETA:


Fonte: AZEREDO, José Carlos. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008.

Alternativas
Q2630154 Português

Leia o Texto I para responder às questões de 21 a 29.


TEXTO I


OS IDIOTAS DA OBJETIVIDADE


(Nelson Rodrigues)


Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.

Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.

Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.

Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.

Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.

Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de Lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.

Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria: — “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer: — o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.

E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.

Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.

O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.

Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.

Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.

O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra-me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.

E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? (...)


Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/os-idiotas-da-objetividade-cronica-de-nelson-rodrigues/ (Adaptado). Acesso em: 8 jan. 2023.

Segundo Rodolfo Ilari (2014), “ao lado dos adjetivos semântico, lexical ou nocional, a palavra campo tem sido usada para dar contornos mais precisos à ideia (de Saussure, o fundador da linguística moderna) de que, ao explicar qualquer signo linguístico, os falantes da língua enveredam por vários tipos de associações. Saussure ilustrou essa ideia mediante uma representação em que, do signo ensinamento, partem várias linhas em que se situam outros signos, evocados porque 'o som é parecido', porque 'o radical das palavras é o mesmo', 'porque as noções evocadas são parecidas' — ou por critérios diferentes”.


Considerando o excerto acima, o seu conhecimento sobre o tema e a materialidade discursiva do Texto I, julgue como verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmativas a seguir:


I. São chamadas cognatas palavras que compõem uma linha de associação por partilharem o mesmo radical. A palavra “casta”, retirada do texto, é cognata de “castidade”, “castiço” e “castor”, por exemplo.

II. Do ponto de vista discursivo, as palavras do mesmo campo semântico na crônica ajudam a construir uma isotopia. São exemplos de palavras de um mesmo campo semântico no texto “repórter”, “imprensa”, “jornal” e “redação”.

III. O conceito de sinonímia é estritamente vinculado à semântica lexical, não sendo de relevância nos estudos sociolinguísticos no que concerne a variantes diatópicas, diastráticas ou diacrônicas.

IV. O adjetivo “anterior”, em “Sou da imprensa anterior ao copy desk”, estabelece uma relação antonímica complementar com o adjetivo “posterior”. Já o adjetivo “nova”, em “Começava a nova imprensa”, estabelece uma relação antonímica polar com o adjetivo “velha”.


Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


Fonte: ILARI, Rodolfo. Campo semântico. In: FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva; VAL, Maria da Graça Costa; BREGUNCI, Maria das Graças de Castro. Glossário Ceale: termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Belo Horizonte: UFMG, 2014.

Alternativas
Q2630153 Português

Leia o Texto I para responder às questões de 21 a 29.


TEXTO I


OS IDIOTAS DA OBJETIVIDADE


(Nelson Rodrigues)


Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.

Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.

Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.

Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.

Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.

Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de Lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.

Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria: — “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer: — o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.

E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.

Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.

O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.

Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.

Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.

O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra-me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.

E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? (...)


Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/os-idiotas-da-objetividade-cronica-de-nelson-rodrigues/ (Adaptado). Acesso em: 8 jan. 2023.

O Texto I é uma crônica de autoria de Nelson Rodrigues. Entre as alternativas a seguir, assinale aquela que contém uma afirmação INCORRETA sobre esse texto e/ou o gênero discursivo a que ele pertence.

Alternativas
Q2630152 Português

Leia o Texto I para responder às questões de 21 a 29.


TEXTO I


OS IDIOTAS DA OBJETIVIDADE


(Nelson Rodrigues)


Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.

Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.

Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.

Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.

Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.

Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de Lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.

Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria: — “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer: — o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.

E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.

Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal. (Segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.

O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.

Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.

Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.

O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra-me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.

E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? (...)


Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/os-idiotas-da-objetividade-cronica-de-nelson-rodrigues/ (Adaptado). Acesso em: 8 jan. 2023.

Acerca dos sentidos veiculados pelo Texto I, julgue como verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmativas a seguir:


I. O texto se estrutura com base num binarismo entre objetividade e expressividade enfática no discurso jornalístico. Os diferentes polos desse binarismo são divididos por um marco temporal segundo o enunciador.

II. Em “Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação”, a expressão “digamos assim” é um modalizador delimitador, estabelecendo os limites dentro dos quais se deve encarar o sentido de “histórico” nesse contexto.

III. Em “Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — ‘E nem um goivinho ornava a cova dela’”, o autor faz uma referência intertextual a determinada matéria jornalística porque a manchete dela, retomada textualmente na crônica, é exemplo de objetividade idiota.


Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

Alternativas
Q2630151 História e Geografia de Estados e Municípios

O processo de ocupação de Mato Grosso, ocorrido a partir do século XVI, foi motivado:

Alternativas
Respostas
541: D
542: A
543: D
544: D
545: A
546: E
547: C
548: D
549: B
550: A
551: C
552: D
553: A
554: D
555: E
556: D
557: E
558: B
559: A
560: A