A partir de uma definição da antropóloga Nina Friedemann em “Comunidades negras: refúgios de africanias na Colômbia”,
podemos entender africanias como a bagagem cultural submergida no inconsciente iconográfico dos negroafricanos entrados no
Brasil em escravidão, que se faz perceptível na língua, na música, na dança, na religião, no modo de ser e de ver o mundo, e que, no
decorrer dos séculos, como forma de resistência e de continuidade na opressão, transformou-se e converteu-se em matrizes
partícipes da construção de um novo sistema cultural e linguístico que nos identifica como brasileiros.
São essas matrizes que, na década de 1930, o diplomata, escritor e pesquisador alagoano Renato Firmino Maia de Mendonça
(1912 – 1990), em sua monografia sobre A influência africana no português do Brasil, trata de pontuar na formação da modalidade da
língua portuguesa no Brasil, em nossas tradições orais e na literatura brasileira.
Em 1933, a 1a
edição foi publicada pela Gráfica Sauer com prefácio de Rodolfo Garcia, trazendo o mapa da distribuição do
elemento negro no Brasil colonial e imperial. Em 1935, sai a 2a
edição pela Companhia Editora Nacional, na Coleção Brasiliana,
ilustrada com mapas e fotografias e aumentada em dois capítulos, um esboço histórico sobre o tráfico e um ensaio sobre o negro na
literatura brasileira. Também de caráter inovador são os mapas toponímicos com localidades designadas por nomes africanos no
Brasil, da autoria do geógrafo Carlos Marie Cantão, que vêm em addendum, ao final do livro. A 3a
edição, de 1948, é publicada no
Porto pela Figueirinhas. Em 1972 e 1973, a 2a
edição é republicada pela Civilização Brasileira.
Ao lado de Jacques Raimundo, que coincidentemente publicou, pela Renascença, em 1933, O elemento afro-negro na língua
portuguesa, a obra de Renato Mendonça é um estudo de referência obrigatória nessa importante área de pesquisa, cuja repercussão
científica corresponde a menos do que seu valor real, em razão da tendência de esse conhecimento ser considerado, por linguistas e
filólogos, mais como objeto de pesquisa dos africanistas e dos especialistas em estudos “afro-brasileiros” – assim denominados como
uma palavra composta de acordo com a grafia consagrada e recomendada pelo recente acordo ortográfico. Neste contexto, separado
por um traço de união em lugar simplesmente de se escrever afrobrasileiros, o termo afro, tratado como um prefixo, reflete de maneira
subliminar aquela tendência. Destaca-se como se fosse um aparte eventual no processo e não a parte afrobrasileira inscrita em nossa
identidade cultural e linguística.
Dentro desse plano de entendimento, Renato Mendonça coloca e avalia a interferência que aquelas vozes de mais de quatro
milhões de negros escravizados, no decorrer de três séculos consecutivos, imprimiram naquela língua portuguesa que eles foram
obrigados a falar como segunda língua no Brasil. Ao mesmo tempo, Mendonça enriquece e alarga suas análises baseado em uma
bibliografia ainda hoje consistente e de grande valia para os estudos atuais sobre a história e a etnografia africanas e suas línguas,
principalmente sobre as que foram faladas no Brasil, as quais ele adequadamente chama de negroafricanas.
(Adaptado de: CASTRO, Yeda Pessoa de. Prefácio − Renato Mendonça e A influência africana no português do Brasil, um estudo pioneiro de
africanias no português brasileiro. In: Mendonça, Renato. A influência africana no Português do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de
Gusmão, 2012, p. 15-16)
Observações:
1. Addendum: adendo, apêndice.