Texto: Deveríamos viver a vida ou capturá-la?
Um artigo recente no New York Times explora a onda explosiva de gravações de eventos feitas em smartphones, dos mais
significativos aos mais triviais.
Todos são, ou querem ser, a estrela de sua própria vida, e a
moda é capturar qualquer momento considerado significativo.
Microestrelas do YouTube têm vídeos de selfies que se tornam
virais em questão de horas, como o mais recente do jornalista Scott
Welsh, gravado durante um voo da companhia aérea Jetblue
Airways, em que as máscaras de oxigênio baixaram devido a um
defeito mecânico. Se você se depara com a morte, por que não
compartilhar seus momentos derradeiros com aqueles que você
deixou?
Há um aspecto disso tudo que faz sentido; todos somos importantes, nossas vidas são importantes, e queremos que elas sejam
vistas, compartilhadas, apreciadas. Mas há outro aspecto que leva
a um desligamento com o momento.
Estarão as pessoas esquecendo de estar presentes no momento, espalhando seu foco ao ver a vida através de uma tela?
Você deveria estar vivendo a sua vida ou vivendo-a para que os
outros a vejam?
Deve-se dizer, entretanto, que isso tudo começou antes da
revolução dos celulares. Algo ocorreu entre o diário privado que
mantínhamos chaveado em uma gaveta e a câmera de vídeo portátil. Por exemplo, em junho de 2001, levei um grupo de alunos da
universidade de Dartmouth em uma viagem para ver o eclipse total
do Sol na África. A bordo havia um grupo de “tietes de eclipse”,
pessoas que viajam o mundo atrás de eclipses. Quando você vir
um, vai entender o porquê. Um eclipse solar total é uma experiência
altamente emocionante que desperta uma conexão primitiva com a
natureza, nos unindo a algo maior e realmente incrível a respeito do
mundo. É algo que necessita um comprometimento total e foco de
todos os sentidos. Ainda assim, ao se aproximar o momento de
totalidade, o convés do navio era um mar de câmeras e tripés,
enquanto dezenas de pessoas se preparavam para fotografar e
filmar o evento de quatro minutos.
Em vez de se envolverem totalmente com esse espetacular
fenômeno da natureza, as pessoas preferiram olhar para isso através de suas câmeras. Eu fiquei chocado. Havia fotógrafos profissionais a bordo e eles iam vender/dar as fotos que tirassem. Mas as
pessoas queriam as suas fotos e vídeos de qualquer forma, mesmo
se não fossem tão bons. Eu fui a outros dois eclipses, e é sempre a
mesma coisa. Sem um envolvimento pessoal total. O dispositivo é o
olho através do qual eles escolheram ver a realidade.
O que os celulares e as redes sociais fizeram foi tornar o
arquivamento e o compartilhamento de imagens incrivelmente fáceis
e eficientes. O alcance é muito mais amplo, e a gratificação (quantos
“curtir” a foto ou o vídeo recebe) é quantitativa. As vidas se tornaram
um evento social compartilhado.
Agora, há um aspecto que é bom, é claro. Celebramos momentos significativos e queremos compartilhar com aqueles com
quem nos importamos. O problema começa quando paramos de
participar completamente do momento porque temos essa necessidade de registrá-lo. O apresentador Conan O’Brien, por exemplo,
reclamou que ele não pode mais nem ver o rosto das pessoas quando se apresenta. “Tudo que vejo é um mar de iPads”, ele
disse. Algumas celebridades estão proibindo celulares pessoais
durante os seus casamentos. Nick Denton, diretor da Gawker, disse
a seus convidados: “Vocês podem dar atenção à sua presença
virtual – e seus seguidores no Twitter e no Instagram – amanhã”.
Nisso podemos incluir palestrar usando o PowerPoint ou o
Keynote, como posso afirmar por experiência própria. Assim que
uma tela iluminada aparece, os olhares se voltam a ela e o palestrante
se torna uma voz vazia. Nenhum envolvimento direto é então possível. É por isso que eu tendo a usar essas tecnologias minimamente, para mostrar imagens e gráficos ou citações significativas.
Marcelo Gleiser
Disponível em: https://www.fronteiras.com/artigos/marcelo-gleiserdeveriamos-viver-a-vida-ou-captura-la