Ideal do filósofo Jean-Jacques Rousseau
A crítica às sociedades civilizadas e a idealização do homem primitivo, manifestadas a todo passo nas obras do filósofo Rousseau
(1713-1784), foram vistas por muitos intérpretes como a expressão de um desejo de retorno à animalidade. Mas o que o filósofo sempre
pretendeu não foi exaltar a animalidade do selvagem, mas sua mais profunda humanidade em relação ao homem civilizado.
O homem, para Rousseau, não se regenera pela destruição da sociedade e com o retorno à vida no meio das florestas. Embora
privado, no estado social, de muitas vantagens da natureza, ele soube adquirir outras: capacidade de desenvolver-se mais rapidamente,
ampliação dos horizontes intelectuais, enobrecimento dos sentimentos e elevação total da alma. Se os abusos do estado social civilizado não o colocassem abaixo da vida primitiva, o homem deveria bendizer sem cessar o instante feliz que o arrancou para sempre da
animalidade e fez de um ser estúpido e limitado uma criatura inteligente. O propósito visado por Rousseau é combater os abusos e não
repudiar os mais altos valores humanos.
Os abusos centralizam-se, para ele, na perda da consciência a que é conduzido o homem pelo culto dos refinamentos, das mentiras
convencionais, da ostentação da inteligência e da cultura, nas quais se busca mais a admiração do próximo do que a satisfação da própria
consciência. Rousseau, em uma palavra, não pretende queimar bibliotecas ou destruir universidades e academias; reconhece a função útil
das ciências e das artes, mas não quer ver os artistas e intelectuais submetidos aos caprichos frívolos das modas passageiras. Pelo
contrário, glorifica os esforços laboriosos da conquista intelectual verdadeira, que se realiza na luta contra os obstáculos da violência e na
atividade do espírito crítico, livre de pressões.
(Adaptado do encarte, sem identificação de autoria, do volume Rousseau - Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 474-475)