A neblina da menopausa
Neblina cerebral é queixa frequente na
perimenopausa. Ela refere-se às dificuldades de
concentração encontradas ao se fazerem contas ou tentar
lembrar palavras e nomes de pessoas, ao comprometimento
do raciocínio lógico e ao “cansaço mental” que se instalam
quando as menstruações se tornam irregulares.
Em cerca de 80% das mulheres, essas queixas
costumam vir acompanhadas de crises de sensação de calor
intenso e sudorese abundante, seguidas de um frio
siberiano. São os fogachos, em linguagem popular — ou,
para os médicos, sintomas vasoativos. Essa fase, que algumas atravessam com poucos
sintomas, provoca sofrimentos de longa duração à maioria
delas: insônia, ressecamento da pele e das mucosas, dor às
relações sexuais, infecções urinárias de repetição, inchaço,
cólicas abdominais, diminuição da libido e fadiga, entre
outros transtornos. Além disso, o psiquismo é invadido por
pensamentos negativos, crises de choro inexplicável,
irritabilidade e depressão. Infelizmente, a medicina levou séculos para se
interessar pela fisiopatologia responsável por distúrbios
cerebrais tão variados. Uma das primeiras descobertas
aconteceu apenas na década de 1990, quando Naomi Rance,
neuropatologista da Universidade do Arizona, demonstrou
que, nas autópsias de mulheres na menopausa, o
hipotálamo duplicava de tamanho às custas do aumento do
número de neurônios. Como a essa região do cérebro é
atribuído o controle da termorregulação e das sensações
térmicas, Rance considerou que o achado deveria guardar
relação com os sintomas vasoativos que afligem tantas
mulheres.
Esse trabalho inicial trouxe investimentos para a área
dos medicamentos, uma vez que o único tratamento
disponível era a reposição hormonal, com estrogênio e
progesterona. Pesquisas com camundongos nos quais foi
adaptado um pequeno dispositivo para medir as mudanças
de temperatura, ocorridas depois da retirada dos ovários,
permitiram avaliar a influência da neurocinina B no
aparecimento dos sintomas vasoativos.
Quando as moléculas de neuromicina B se ligam aos
receptores ancorados na membrana dos neurônios, surgem
os sintomas vasoativos. O contrário acontece quando esses
receptores são bloqueados por manipulação farmacológica.
A redução nas concentrações de estrogênio que
chegam ao cérebro por ocasião da falência dos ovários tem
grande impacto no metabolismo e no sistema imunológico
do tecido cerebral de seres humanos e de roedores. A
presença de estrogênio é fundamental para a captura e o
metabolismo da glicose, a principal fonte de energia para
eles.
Na perimenopausa, as irregularidades menstruais
refletem o sobe e desce na produção de estrogênio. Essas
variações imprevisíveis não dão tempo para que o
metabolismo dos circuitos cerebrais de neurônios se adapte
às novas circunstâncias. A alteração resultante pode
provocar um processo inflamatório no cérebro que contribui
para as queixas de “neblina” e para o aumento do risco de
doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.
Por outro lado, o aparecimento do fezolinetant,
primeiro medicamento não hormonal para tratamento dos
fogachos, representa uma mudança de paradigma. A
menopausa deixa de ser interpretada apenas como uma
condição restrita aos ovários, para ser considerada um
fenômeno biológico complexo, que interfere nas funções de
múltiplos órgãos e na neurobiologia do cérebro.
(Fonte: Drauzio Varella. A neblina da menopausa —
adaptado.)